segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Bonequinha de Luxo

Capote, Truman. Bonequinha de Luxo. L± Porto Alegre / RS; 1988; 158 páginas.

Dados da obra:

Holly Golightly é uma jovem que vivia em uma fazenda, casou aos 14 anos e um ano depois fugiu de casa para tentar a vida como atriz em Hollywood. Instalada em Nova York, em busca de um casamento com um milionário, torna-se garota de programa, mas com bastante estilo e personalidade. Em meio a sua vida agitada, ela conhece um escritor que mora no andar de cima do prédio, construindo com ele uma singela amizade que se estende até o final da história, cheia de reviravoltas.
Breve relato do autor:

Truman Capote foi um escritor norte-americano e pioneiro do jornalismo literário com a obra A Sangue Frio.

Passagens        

“Sempre sou atraído pelos lugares onde já morei, pelas casas e suas vizinhanças. Por exemplo, há um prédio com a fachada de arenito do lado leste das ruas Setenta onde, durante os primeiros anos da guerra, tive meu primeiro apartamento em Nova York. Era apenas um quarto atulhado de móveis velhos, desses que se guardam no sótão, um sofá e umas poltronas gordas estufadas com aquele tipo de veludo vermelho e comichento que lembra dias quentes em um trem. As paredes eram de estuque, com a cor exata de tabaco mascado. Por todo lado, até no banheiro, havia gravuras de ruínas romanas esmaecidas pelo tempo. A única janela dava para a saída de incêndio. Mesmo assim, eu ficava satisfeito cada vez que sentia a chave do apartamento no meu bolso: com toda a sua melancolia, ainda assim era um lugar só meu, o primeiro que eu tinha, meus livros estavam ali e potes cheios de lápis sem ponta, tudo o que eu achava que precisaria para me tornar o escritor que pretendia ser.”

“Mas se a Srta. Golightly continuava inconsciente de minha existência, exceto pela conveniência de atender a campanhia, com o passar do verão fui me tornando progressivamente uma autoridade sobre a vida dela. Descobri, observando a cesta de lixo junto a sua porta, que sua leitura regular era constituída de tablóides, folhetos de viagem e horóscopos; que ela fumava um cigarro misterioso chamado Picayunes. Que sobrevivia comendo queijo e torradas fininhas; que seu cabelo multicolorido era um tanto artificial. A mesma fonte revelou que ela recebia montes de cartas de soldados. Elas estavam sempre rasgadas em tirinhas, como marcadores de livros. Me acostumei a de quando em quando pegar um marcador para mim quando passava. Lembro e saudade e chuva e por favor escreva e raios e maldita eram as palavras que ocorriam com mais frequência nessas tirinhas; essas, e solitário e amor.

“Ela sentou-se numa das poltronas vacilantes de veludo vermelho, dobrou as pernas por baixo do corpo e relanceou os olhos pelo quarto, contraindo-os de maneira ainda mais pronunciada:
– Como você pode aguentar isso? É uma câmara de horrores!
– Ora, a gente se acostuma com tudo – disse eu, aborrecido comigo mesmo, já que de fato tinha orgulho do lugar.
– Pois eu não. Nunca me acostumo com nada. Quem se acostuma com tudo é como se já estivesse meio morto – seus olhos desaprovadores percorreram o quarto de novo.”

“– Pobre nojentinho sem nome. É um pouco inconveniente não ter nome. Mas eu não tenho o direito de lhe dar um: terá de esperar até que pertença a alguém. Nós só nos juntamos um dia à margem do rio, não nos pertencemos: ele é independente e eu também sou. Não quero possuir coisa alguma até saiba que encrontei o lugar onde eu e as coisas pertencemos. Ainda não tenho certeza de onde fica esse lugar. Mas sei como ele é.”
 “– Já tentei. Já tentei aspirina também. Rusty acha que eu devia fumar maconha e já tentei umas vezes, mas só me deixa com vontade de rir. O que eu descobri que me deixa melhor é entrar num táxi e ir até o Tiffany´s. Me acalma na hora, a tranqüilidade, o ar de orgulho que a loja tem: nada de muito ruim pode acontecer pra gente ali, não com esses homens gentis de terno e aquele cheiro lindo de prata e carteiras de couro de crocodilo. Se pudesse encontrar um lugar na vida real que me fizesse sentir do mesmo jeito que me sinto no Tiffany´s, então compraria alguns móveis e daria um nome ao gato. Pensei que talvez depois da guerra, Fred e eu...”

“– Nunca se apaixone por um bicho-do-mato, Sr. Bell – aconselhou-o Holly. – Foi esse o erro de Doc. Ele sempre trazia bichos-do-mato para casa. Trouxe um gavião de asa partida. Uma vez chegou a trazer um gato-do-mato adulto com a pata quebrada. Mas não se pode dar o coração a um bicho-do-mato. Quanto mais amor se dá, mais fortes eles ficam. Até que estão suficientemente fortes para voltar para o mato. Ou para voar até uma árvore. Depois uma árvore mais alta. E então o céu. É assim que a gente acaba, sr. Bell. Se a gente cai na asneira de se apaixonar por um bicho-do-mato. A gente acaba olhando para o céu.”