sexta-feira, 9 de março de 2012

A bolsa amarela

Bojunga, Lygia. A bolsa amarela. Casa Lygia Bojunga; Rio de Janeiro / RJ; 2004; 135 páginas.

Breve relato do autor:

Lygia Bojunga é uma escritora gaúcha, autora de livros infantis. Trabalhou na TV e no rádio até seu primeiro livro ser publicado, em 1972. Um elemento importante de seus livros é o uso do ponto de vista da criança.

Dados da obra:

 A Bolsa Amarela é o romance de uma menina, Raquel, que entra em conflito consigo mesma e com a família ao reprimir três grandes vontades (que ela esconde em uma bolsa amarela): a vontade de ser gente grande, a de ter nascido menino e a de se tornar escritora. À medida que a narrativa avança, Raquel vai amadurecendo e definindo suas escolhas.

Passagens:

 Meu irmão fez cara de gozação:
– E por que é que você inventou um amigo em vez de uma amiga?
– Porque eu acho muito melhor ser homem do que mulher.
Ele me olhou bem sério. De repente riu:
– No duro?
– É, sim. Vocês podem um monte de coisas que a gente não pode. Olha: lá na escola, quando a gente tem que escolher um chefe pras brincadeiras, ele sempre é um garoto. Que nem chefe de família: é sempre o homem também. Se eu quero jogar uma pelada, que é o tipo do jogo que eu gosto, todo mundo faz pouco de mim e diz que é coisa pra homem; se eu quero soltar pipa, dizem logo a mesma coisa. É só a gente bobear que fica burra: todo mundo tá sempre dizendo que vocês é que têm que meter as caras no estudo, que vocês é que vão ser chefe de família, que vocês é que vão ter responsabilidade, que – puxa vida! – vocês é que vão ter tudo. Até pra resolver casamento – então eu não vejo? – a gente fica esperando vocês decidirem. A gente tá sempre esperando vocês resolverem as coisas pra gente. Você quer saber de uma coisa? Eu acho fogo ter nascido menina.

A bolsa por fora:
Era amarela. Achei isso genial: pra mim, amarelo é a cor mais bonita que existe. Mas não era um amarelo sempre igual; às vezes era forte, mas depois ficava fraco; não sei se porque ele já tinha desbotado um pouco, ou porque já nasceu assim mesmo, resolvendo que ser sempre igual é muito chato.

“Não quero mandar sozinho! Quero um galinheiro com mais galos! Quero as galinhas mandando junto com os galos!”
– Que legal!
– Legal coisa nenhuma; me levaram preso.
– Mas por quê?
– Pra eu aprender a não ser um galo diferente. Me botaram num quartinho escuro. Tão escuro que quando eu saí de lá tava todo preto. Só depois é que a cor foi voltando. Fiquei preso um tempão; sofri à beça. Aí, um dia, eles me soltaram. E foram logo dizendo: “Daqui pra frente você vai ser um tomador-de-conta-de-galinha como o seu pai era, como o seu avô era, como o seu bisavô era, como o seu tataravô era – senão volta pra prisão.”

– Às vezes a gente quer muito uma coisa e então acha que vai querer a vida toda. Mas aí o tempo passa. E o tempo é o tipo do sujeito que adora mudar tudo. Um dia ele muda você e pronto: você enjoa de ser pequena e vai querer crescer.
– Será?
– É bem capaz.

Mas eu fiquei parada, querendo entender melhor a gente daquela casa. Apontei o homem:
– Ele é teu pai?
– É. – E aí ela apresentou os três: – Meu pai, minha mãe e meu avô.
Eles me deram um sorriso legal e eu cochichei pra menina:
– Por que é que ele tá cozinhando?
Ela me olhou espantada:
– O quê?
Perguntei ainda mais baixo:
– Por que é que ele tá cozinhando e tua mãe tá soldando panela?
– Porque ela hoje já cozinhou bastante e ele já consertou uma porção de coisas: e eu também já estudei um bocado e meu avô soldou muita panela: tava na hora de trocar tudo.
– Por quê?
– Pra ninguém achar que tá fazendo uma coisa demais. E pra ninguém achar também que está fazendo uma coisa menos legal do que o outro.

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