Highsmith, Patricia.
O Livro das Crueldades. Companhia
das Letrinhas; São Paulo / SP; 1989; 181 páginas.
Breve relato do autor:
Patricia Highsmith
foi uma escritora famosa pelos seus thrillers criminais psicológicos. Iniciou a
carreira na década de 1940, escrevendo roteiros para histórias quadrinhos para
editora Nedor, sobretudo as do super-herói Black Terror. Tornou-se mundialmente
famosa por Strangers on a Train, que teve já várias adaptações para cinema, e
pela série Ripliad com a personagem Thomas Ripley. Escreveu também muitas
histórias curtas.
Dados da obra:
São 13 contos, nos
quais Patricia Highsmith coloca à solta os animais, que podem ter uma pacífica
aparência doméstica, mas que matam quando necessário. Tal como os humanos. Na
ficção da escritora matar é apenas uma questão de necessidade e oportunidade.
Passagens:
Ele é alto e jovem e
tem o cabelo ruivo. Gosta de se exibir estalando um longo chicote em minha
direção. Acha que pode me obrigar a fazer coisas com cutucões e ordens. Seu
bastão tem uma ponta afiada de metal que é irritante, embora não me penetre a
pele. Steve aproximou-se de mim como uma criatura aproxima-se de outra,
travando relações comigo e sem supor que eu viesse a ser o que ele esperava.
Foi por isso que nos demos bem. Cliff, no fundo, não gosta de mim. Entre outras
coisas não faz nada para me proteger das moscas, no verão.
(O Finalíssimo
Espetáculo da Corista)
Mahmet arrancou a
túnica. Arrancou o turbante também. Atirou as duas coisas em Djemal.
Surpreso, Djemal
mordeu a roupa malcheirosas balançando a cabeça como se tivesse os dentes
cravados no pescoço de Mahmet, sacudindo-o até matá-lo. Rosnava e atacava o
turbante, agora desfeito num longo pano sujo. Comeu parte do turbante e com uma
das grandes patas dianteiras pisoteou o resto.
Mahmet, atrás da
árvore, começou a respirar melhor. Sabia que os camelos podem desabafar a ira
na roupa do homem a quem odeiam e que depois se acalmam. Esperava que fosse
assim, desta vez. Não gostava de ideia de voltar a pé para Khassa. Queria ir
até Elu-Bana, que considerava “sua casa”.
(A Vingança de
Djemal)
Gostava mesmo era de
se deitar ao sol com a dona numa das espreguiçadeiras de lona que havia no
terraço de casa. Mas não gostava das pessoas que ela às vezes convidava,
dezenas de pessoas que passavam a noite, que ficavam acordadas até tarde,
comendo e bebendo, ouvindo discos ou tocando piano – pessoas que o separavam de
Elaine. Pessoas que lhe pisavam nas patas; pessoas que, às vezes, o pegavam por
trás, desprevenido, e ele tinha de lutar para se soltar; pessoas que lhe
passavam a mão com rudeza; pessoas que às vezes fechavam alguma porta,
deixando-o trancadi. Gente! Ming
detestava gente. No mundo inteiro, só gostava de Elaine. Ela o amava e
compreendia.
(A Maior Presa de
Ming)
– Neste rato –
começou Alden, também baixinho.
Mas parou para
pegar, com dedos levemente trêmulos, a ponta de uma saborosa salsicha do
pãozinho com manteiga a sua frente. Jogou-a para o rato, que recuou um pouco,
depois disparou para a salsicha, pegou-a e mastigou-a, segurando-a com o toco
de pata.
– Este rato tem
força – disse, afinal – Imagine tudo o que ele passou. E nem por isso ele
desistiu, não foi?
(O Rato mais
Corajosos de Veneza)
... Das criaturas de
duas pernas não vinha nada de confiável e abundante, talvez uma tigela de leite
e pão, mas não todo dia, nada que se pudesse contar. Mas no grande cavalo
avermelhado, tão pesado e lento, a gatinha cinzenta passava a reconhecer um
amigo confiável. Vira cavalos antes, mas nenhum tão grande quanto aquele. Nunca
chegara perto de um cavalo, nunca tocara nenhum. Achava isso divertido e
perigoso...
(Cavalo-motor)
Os outros gatos
deviam estar caçando. Bess procurou até no estábulo, mas não encontrou o
gatinho. Então olhando de relance para Fanny no campo, de cabeça baixa a
mastigar trevos, deu com o gatinho, a fazer cabriolas e correr ao sol em torno
dos cascos da água, como uma baforada de fumaça soprada de uma lado para o
outro. A leveza e a energia do gatinho fascinaram Bess por alguns momentos. Que
contraste, notou, com seu peso terrível, sua lentidão, sua idade! Seguiu
sorrindo, na direção do portão. O gatinho ia gostar do osso.
(Cavalo-motor)
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