quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Relato de um náufrago


Márquez, Gabriel García. Relato de um náufrago. Editora Record; Rio de Janeiro / RJ; 1970; 134 páginas.
 
Breve relato do autor:

 É um escritor, jornalista, editor, ativista e político colombiano. Recebeu o Nobel de Literatura em 1982 pelo conjunto de sua obra, que entre outros livros inclui o aclamado Cem Anos de Solidão. Responsável por criar o realismo mágico na literatura latino-americana.

 Dados da obra:

Relato de um náufrago conta a história de um marinheiro sobrevivente de um náufrago no ano de 1955 no mar do Caribe.
 
Passagens:

No começo me pareceu impossível permanecer três horas sozinho no mar. Mas as cinco, quando já se tinham passado cinco horas, achei que ainda podia esperar uma hora mais. O sol estava descendo. Ficou vermelho e grande no ocaso, e então comecei a me orientar. Sabia agora por onde apareceriam os aviões: pus o sol à minha esquerda e olhei em linha reta, sem me mexer, sem desviar a vista um só instante, sem me atrever a piscar, na direção em que devia estar Cartagena, segundo minha orientação. As seis, doíam meus olhos. Continuava, porém, olhando. Inclusive depois que começou a escurecer, continuei olhando com uma paciência firme e rebelde.

Para um esfomeado marinheiro solitário no mar, a presença das gaivotas é uma mensagem de esperança. Geralmente, um bando de gaivotas acompanha os navios, mas só até o segundo dia de navegação, sete gaivotas sobre a balsa significavam a proximidade da terra.

Estavam num dos bolsos da calça, quase completamente desfeitos pela umidade. Rasguei-os, levei-os à boca e comecei a mastigar. Foi um milagre: a garganta se aliviou um pouco e a boca se encheu de saliva. Lentamente continuei mastigando, como se aquilo fosse chiclete. Na primeira mastigada, doeram as mandíbulas. Depois, à medida que mastigava o cartão que guardei sem saber porque, desde o dia em que fui fazer compras com Mary Address, me senti mais forte e otimista. Pensava continuar mastigando os cartões indefinidamente para aliviar a dor nas mandíbulas e até achei que seria um desperdício jogá-los ao mar. Senti descer até o estômago a minúscula papa de papelão moído e desde esse instante tive a sensação de que me salvaria, de que não seria destroçado pelos tubarões.
 
Há um instante em que não se sente mais dor. A sensibilidade desparece e a razão começa a se embotar até que se perde a noção de tempo e espaço. De bruços na balsa, com os braços apoiados na borda e a barba nos braços, senti, no começo as impiedosas picadas do sol. Vi o ar povoado de pontas luminosas, durante várias horas. Finalmente fechei os olhos, extenuado, mas então o sol já não me ardia o corpo. Não sentia nem sede nem fome. Não sentia nada, a não ser uma indiferença total pela vida e pela morte. Pensei que estava morrendo. E essa ideia me encheu de uma estranha e obscura esperança.