Breve
relato do autor:
Relato de um náufrago conta a história de um marinheiro sobrevivente de um náufrago no ano de 1955 no mar do Caribe.
Passagens:
No começo me pareceu impossível
permanecer três horas sozinho no mar. Mas as cinco, quando já se tinham passado
cinco horas, achei que ainda podia esperar uma hora mais. O sol estava
descendo. Ficou vermelho e grande no ocaso, e então comecei a me orientar.
Sabia agora por onde apareceriam os aviões: pus o sol à minha esquerda e olhei
em linha reta, sem me mexer, sem desviar a vista um só instante, sem me atrever
a piscar, na direção em que devia estar Cartagena, segundo minha orientação. As
seis, doíam meus olhos. Continuava, porém, olhando. Inclusive depois que
começou a escurecer, continuei olhando com uma paciência firme e rebelde.
Para um esfomeado marinheiro
solitário no mar, a presença das gaivotas é uma mensagem de esperança.
Geralmente, um bando de gaivotas acompanha os navios, mas só até o segundo dia
de navegação, sete gaivotas sobre a balsa significavam a proximidade da terra.
Estavam num dos bolsos da calça,
quase completamente desfeitos pela umidade. Rasguei-os, levei-os à boca e
comecei a mastigar. Foi um milagre: a garganta se aliviou um pouco e a boca se
encheu de saliva. Lentamente continuei mastigando, como se aquilo fosse
chiclete. Na primeira mastigada, doeram as mandíbulas. Depois, à medida que
mastigava o cartão que guardei sem saber porque, desde o dia em que fui fazer
compras com Mary Address, me senti mais forte e otimista. Pensava continuar
mastigando os cartões indefinidamente para aliviar a dor nas mandíbulas e até
achei que seria um desperdício jogá-los ao mar. Senti descer até o estômago a
minúscula papa de papelão moído e desde esse instante tive a sensação de que me
salvaria, de que não seria destroçado pelos tubarões.
Há um instante em que não se sente
mais dor. A sensibilidade desparece e a razão começa a se embotar até que se
perde a noção de tempo e espaço. De bruços na balsa, com os braços apoiados na
borda e a barba nos braços, senti, no começo as impiedosas picadas do sol. Vi o
ar povoado de pontas luminosas, durante várias horas. Finalmente fechei os
olhos, extenuado, mas então o sol já não me ardia o corpo. Não sentia nem sede
nem fome. Não sentia nada, a não ser uma indiferença total pela vida e pela
morte. Pensei que estava morrendo. E essa ideia me encheu de uma estranha e
obscura esperança.