Breve
relato do autor:
Yoani Sánchez é uma filóloga e
jornalista cubana que alcançou fama internacional e numerosos prêmios por seus artigos
e suas críticas da situação social em Cuba sob o governo de Fidel Castro e de
seu sucessor Raúl Castro.
Dados
da obra:
De Cuba com carinho é um livro que
narra a vida cotidiana de quem vive na ilha, sofre com a decadência cubana, mas
ama seu país. São alguns dos posts publicados por Yoani em seu blog Generaction Y.
Passagens:
Generaction Y é a coisa mais arriscada que fiz em minhas três décadas de vida e, depois de começar a escrevê-lo, sinto com frequência os joelhos tremerem. Para evitar endeusamentos e duguras crucificações deixo claro em uma das páginas que o meu blog é um exercício pessoal de covardia dizer na rede tudo aquilo que não me atrevo a expressar na vida real
... Daí que a morte pública de um
político tenha início quando as pessoas deixam de colocar-lhe apelidos; a crise
de um ideal fica demonstrada se poucos fizerem referência a ele e a propaganda
ideológica se debilita quando ninguém repete seus bordões maniqueístas. A
linguagem pode validar ou enterrar qualquer utopia.
Quando menina, eu gostava dos livros
com “figurinhas” e minha atração por textos acompanhados de imagens ficou até
hoje. E o meu prazer é maior quando encontro uma história bem escrita, com ilustrações
feitas pelo próprio autor. Foi justamente essa combinação que me cativou em Persépolis, o livro da iraniana Marjane
Satrapi. Adentrei suas primeiras páginas para evocar meus tempos de leitora de
revistas em quadrinhos, mas não calculei que essa visão do Irã me causaria
tanto impacto.
Conheço um que encontrou um modo
original de escapar das reuniões, das votações unânimes, dos chamamentos à intransigência
e das frequentes mobilizações do PCC. Como um boxeador, treinado para aguentar
até que soe a campanhia, compareceu ao que seria seu último encontro com o
núcleo partidário de seu local de trabalho. Surpreendeu a todos pelo argumento
inusitado, um verdadeiro swing de esquerda que ninguém esperava. “Todo dia
compro no mercado negro para alimentar minha família e isso um membro do
Partido Comunista não deve fazer. Como devo escolher entre colocar alguma coisa
no prato dos meus ou acatar a disciplina desta organização, prefiro renunciar”.
Todos na mesa se entreolharam incrédulos, “mas Ricardo, o que é que você está
dizendo? Aqui a maioria compra no mercado negro”. O “golpe” que vinha ensaiando
encerrou com chave de ouro e breve assalto: ”Ah... então eu vou embora, pois
não quero pertencer a um partido de dissimulados, que dizem uma coisa e fazem
outra.
Cresci, tive um filho e a ele também
coube repetir a palavra de ordem “Pioneiros pelo comunismo, seremos como o Che”.
Hoje tem a mesma idade que eu naquele tumultuado 1989, quando comecei a ter
dúvidas e compreendi que tudo o que tinham me inculcado talvez não fosse
verdade.
Não me manda calar a boca por
respeito, mas leio em seus olhos que está entediado com toda minha tagarelice. “A
vovó ficou parada no tempo”, dirá quando eu me for, mas na minha presença finge
escutar os episódios defasados dessa Cuba remota. Não sabe esse rapaz que a
premonição de sua existência me permitiu manter a lucidez quarenta anos atrás.
Projetá-lo – com sua careta de incredulidade sentado num parque da Havana
futura – evitou que eu tomasse o caminho do mar, do fingimento ou do silêncio.
Cheguei até aqui graças a ele e, em vez de dizer-lhe isso, o que faço é
aborrecê-lo com histórias do que passou, do que nunca voltará a se repetir.
Enquanto são preparados extensos
dossiês sobre os cinquenta anos da Revolução Cubana, poucos se perguntam se o
que se celebra é o aniversário de um ser vivo ou simplesmente o de algo que
deixou de existir. As revoluções não duram meio século advirto aos que me
perguntam. Elas terminam por devorar a si mesmas e por se excretar em
autoritarismo, controle e mobilidade. Expiram sempre que tentam se tornar
eternas. Falecem por querer se manter sem mudanças.