Breve relato do autor:
Jorge
Luis Borges foi um escritor, poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta
argentino.
Dados da obra:
O livro
traz histórias curtas contendo, entre outros, o conto que dá nome ao livro. O
escritor aborda vários pontos paradoxais como a imortalidade, a identidade, o
duplo, a eternidade, o tempo, a soberba, a condição humana e suas crenças, com
um alto grau de criatividade e escrita superior, com elevadíssimo grau
cultural, submetendo o leitor a um intrincado labirinto de ideias e reflexões.
Passagens:
...
Deixei o caminho ao arbítrio de meu cavalo. No alvorecer, o horizonte ficou enricado
de pirâmides e torres. Sonhei, insuportavelmente, com um labirinto exíguo e
nítido: no centro havia um cântaro; minhas mãos quase o tocavam, meus olhos o
viam, mas tão intricadas e perplexas eram as curvas, que eu sabia que ia morrer
antes de alcançá-lo.
... De
início cautelosamente, depois com indiferença, enfim com desespero, errei por
escadas e pavimentos do inextricável palácio. (Depois averiguei que eram inconstantes
a extensão e a altura dos degraus, fato que me fez compreender o singular casaco
que me deram.) “Este palácio é obra dos deuses”, pensei primeiro. Explorei os
recintos desabitados e corrigi: “Os deuses que o construíram morreram”. Notei
suas peculiares e disse: “Os deuses que o construíram estavam loucos”.
Facilmente
aceitamos a realidade, talvez por intuir que nada é real...
... O ato
de um só homem (afirmou) pesa mais que os nove céus concêntricos e imaginar que
ele possa se perder e voltar é uma esplêndida frivolidade. O tempo não refaz o
que perdemos; a eternidade guarda-o pra a glória e também para o fogo...
... Um
motivo notório me impede de relatar a luta. Basta lembrar que o desertor feriu
de morte ou matou vários dos homens de Cruz. Este, enquanto combatia na
escuridão, começou a compreender. Compreendeu que um destino não é melhor que
outro, mas que todo homem deve acatar o que traz dentro de si. Compreendeu que
as divisas e o uniforme o estorvavam. Compreendeu seu íntimo destino de lobo,
não de cão gregário, compreendeu que o outro era ele. Amanhecia na planície
desmensurada; Cruz jogou no chão o quepe, gritou que não ia consentir o crime
de que matassem um valente e se pôs a lutar contra os soldados, junto do
desertor Martin Fierro.
... Os
fatos graves estão fora do tempo, seja porque neles o passado imediato fica
truncado do futuro, seja porque as partes que os formam nãoparecem
consecutivas.
...
Modificar o passado não é modificar um fato só; é anular suas consequências,
que tendem a ser infinitas...
...
Morrer por uma religião é mais simples que vivê-la na plenitude; batalhar em
Éfeso contra as feras é menos duro (milhares de mártires obscuros o fizeram)
que ser Paulo, servo de Jesus Cristo; um ato é menos que todas as horas de um
home. A batalha e a glória são facilidades;
mais árdua que a empreitada de Napoleão foi a de Raskolnikov...
... O
Corão (disse) é um dos atributos de Deus, como Sua piedade; pode ser copiado
num livro, pronunciado com a língua, recordado no coração, e o idioma e os
signos e a escrita são obra dos homens, mas o Corão é irrevogável e eterno.
Unwin,
cansado, interrompeu-o.
– Não
multiplique os mistérios – disse-lhe. – Eles devem ser simples. Lembre-se da
carta roubada de Poe, do quarto fechado de Zangwill.
– Ou
complexos – replicou Dunraven. – Lembre-se do universo.
Dunraven,
versado em obras policiais, pensou que a solução do mistério sempre é inferior
ao mistério. O mistério participa do sobrenatural e até do divino; a solução,
da prestidigitação...
... Naquela
noite dormiu o rei, o valente, e ficou velando Said, o covarde. Dormir é
distrair-se do universo, e a distração é difícil para quem sabe que o perseguem
com espadas nuas...
... anos
de solidão haviam lhe ensinado que os dias, na memória, tendem a ser iguais,
mas que não há um só dia, nem sequer de prisão ou de hospital, que não traga
surpresas...