Pais, Amélia Pinto. Padre Antônio Vieira – o imperador da Língua Portuguesa. Companhia
das Letras. São Paulo /SP; 2010; 95 páginas.
Breve
relato do autor:
Amélia Pais Pinto foi professora de francês e
português durante 36 anos. Escreveu ensaios sobre Camões, Fernando Pessoa e Gil
Vicente e também uma história da literatura em Portugal.
Dados da
obra:
Na primeira parte do livro, é o próprio Vieira quem
narra os principais acontecimentos de sua vida em uma espécie de autobiografia
póstuma. Na segunda, são apresentados trechos de alguns de seus mais conhecidos
sermões - entre eles o Sermão de Santo Antônio aos Peixes e o Sermão da
Sexagésima -, além de citações extraídas de sua obra e excertos de sua
correspondência. O volume inclui ainda dois anexos: um texto explica a
estrutura de um sermão e outro contextualiza a ação da Inquisição.
Passagens:
[...]
Todos os
sentidos do homem têm um só ofício, só os olhos têm dois.
O ouvido
ouve, o gosto gosta, o olfato cheira, o tato apalpa, só os olhos têm dois
ofícios: ver e chorar. [...]
Arranca o
estatutário uma pedra destas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e depois que
desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão e começa a formar um
homem: primeiro, membro a membro e, depois, feição por feição, até a mais
miúda. Ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe
o nariz, abre-lhe a boca, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços,
espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos. Aqui desprega,
ali arruga, acolá recama. E fica um homem perfeito, e talvez um santo que se
pode pôr no altar.
Não fez
Deus o céu em xadrez de estrelas como os pregradores fazem o sermão em xadrez
de palavras. Se de uma parte está branco, da outra há de estar negro; se de uma
parte está dia, da outra há de estar noite; se de uma parte dizem luz, da outra
hão de dizer sombra; se de uma parte dizem desceu, das outras há de dizer
subiu. Basta que não havemos de ver um sermão duas palavras em paz? Todas hão
de estar sempre em fronteira com o sue contrário? Aprendamos do céu o estilo da
disposição, e também o das palavras. Como hão de ser as palavras? Como as
estrelas. As estrelas são muito distintas e muito claras. Assim há de ser o
estilo da pregação, muito distinto e muito claro. E nem por isso temais que
pareça o estilo baixo; as estrelas são muito distintas em muito claras e
altíssimas. O estilo pode ser muito claro e muito alto; tão claro que o
entendam os que não sabem e tão alto que tenham muito que entender os que
sabem.
Ver e não
remediar é não ver.
O livro é
um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive;
e, não tendo ação, move os ânimos e causa grandes efeitos.
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