segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O advogado do diabo

West, Morris. O advogado do diabo. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro / RJ; 1963; 302 páginas.

Breve relato do autor:
 
Morris Langlo West foi um escritor australiano, filho de um caixeiro-viajante e de uma irlandesa católica. Formou-se em 1937 na Universidade de Melbourne e trabalhou muitos anos como professor. Passou 12 anos de sua vida em um mosteiro, mas não chegou a se ordenar padre. Em seus livros, West revela seus interesses no catolicismo romano, falando inclusive de muitos papas, e revela também um interesse na política internacional. Escreveu O advogado do diabo, As sandálias do pescador e mais 25 livros, além de peças de teatro e programas de rádio.
 
Dados da obra:

O advogado do diabo foi publicado em 1959 com uma adaptação cinematográfica produzida em 1978. Na trama, durante processo de canonização da Igreja Católica o advogado do diabo, padre que vai investigar a vida do suposto “santo”, visita uma cidade na região pobre do sul da Itália e descobre alguns problemas que poderiam impedir a canonização, mas pondera sobre o bem que poderia fazer para a comunidade. Por outro lado, sabendo que está prestes a morrer de uma doença muito grave, o padre enfrenta sérios conflitos pessoais para tomar a sua decisão.

Passagens:

Agora, estava sentado, ao sol, num banco de jardim, com o ar pleno de primavera e o futuro apenas uma breve, vazia perspectiva; a derramar-se na eternidade. Certa vez, em seus dias de estudante, ouviu um velho missionário pregar acerca da ressurreição de Lázaro: como Cristo se detivera diante do sepulcro selado e ordenara que o mesmo fosse aberto, para que o cheiro da podridão se desfizesse no ar parado e seco do verão; como Lázaro, atendendo ao chamado, saíra para fora, a tropeçar na mortalha, e ficara de pé, a piscar sob o sol. Que sentira ele naquele momento, indagara o velho? Que preço havia ele pago por aquela volta ao mundo dos vivos? Acaso continuou para sempre, depois, estropiado, de modo que cada rosa lhe cheirasse a podridão e cada jovem dourada lhe parecesse um esqueleto desengonçado? Ou caminhou cheio de deslumbramento diante da novidade das coisas o coração terno de piedade e amor pela família humana?

Olhando-os, Blaise Meredith sentiu-se tocado pela vaga nostalgia de um passado que jamais lhe pertencera. Que conhecera ele do amor exceto uma definição teológica e uma culpa sussurrada no confessionário? Que significado tinham os seus conselhos diante dessa franca, erótica comunhão, que, por disposição divina, era o começo da vida e a garantia da continuidade da espécie humana? Logo, talvez naquela mesma noite, aqueles dois corpos jazeriam juntos na pequena morte da qual surgiria uma nova vida – um novo corpo, uma nova alma. Mas Blaise Meredith dormiria sozinho, com todos os mistérios do universo reduzido a um silogismo escolástico dentro do seu crânio. Quem estava certo – ele ou eles? Quem se aproximava mais da perfeição do desígnio divino? Eugênio Marotta tinha razão. Ele se afastara do convívio da família humana. Aquelas duas criaturas arremetiam para a frente, a fim de renová-la, perpetuá-la.

Meredith sentiu-se comovido. O cru dilema em que se encontrava o homem era assustador. Pela primeira vez em sua vida sacerdotal, ele começou a compreender o problema real do arrependimento, o qual não é o problema do pecado em si, mas as consequências que proliferam dele, como parasitos numa árvore. A árvore não tem outro remédio senão continuar a alimentar o parasito, adquirindo beleza dele, mas, ao mesmo tempo, morrendo lentamente, à falta de um jardineiro esclarecido...

... – Aceitarei o “se” – respondeu Meredith, com tranquilo interesse. – Se não existe Deus, então o universo é um caos sem sentido algum. Vive-se nele tão longa e agradavelmente quanto se puder, tirando-se o melhor proveito dele. O senhor pode apanhar o seu Paolo e desfrutá-lo... se a polícia e os costumes sociais permitirem. Nada tenho a discutir com o senhor. Mas se existe um Deus – e creio que existe – então...

... Cristo fizera bispos e um Papa – mas jamais um cardeal. A própria palavra contém mais do que uma sugestão de ilusão: cardo, gonzo. Como se eles fossem os gonzos sobre os quais foram colocadas as portas do céu. Talvez pudessem ser gonzos, mas os gonzos eram metal inútil, a menos que firmemente gravados na estrutura viva da Igreja, cujas pedras eram os pobres, os humildes, os ignorantes, os que pecavam e os que amavam, os esquecidos dos príncipes, mas jamais os esquecidos de Deus.

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