Breve relato do autor:
Morris
Langlo West foi um escritor australiano, filho de um caixeiro-viajante e de uma
irlandesa católica. Formou-se em 1937 na Universidade de Melbourne e trabalhou
muitos anos como professor. Passou 12 anos de sua vida em um mosteiro, mas não
chegou a se ordenar padre. Em seus livros, West revela seus interesses no
catolicismo romano, falando inclusive de muitos papas, e revela também um
interesse na política internacional. Escreveu O advogado do diabo, As sandálias
do pescador e mais 25 livros, além de peças de teatro e programas de rádio.
O advogado do diabo foi publicado em 1959 com uma adaptação cinematográfica produzida em
1978. Na trama, durante processo de canonização da Igreja Católica o advogado
do diabo, padre que vai investigar a vida do suposto “santo”, visita uma cidade
na região pobre do sul da Itália e descobre alguns problemas que poderiam
impedir a canonização, mas pondera sobre o bem que poderia fazer para a
comunidade. Por outro lado, sabendo que está prestes a morrer de uma doença
muito grave, o padre enfrenta sérios conflitos pessoais para tomar a sua
decisão.
Passagens:
Agora, estava
sentado, ao sol, num banco de jardim, com o ar pleno de primavera e o futuro
apenas uma breve, vazia perspectiva; a derramar-se na eternidade. Certa vez, em
seus dias de estudante, ouviu um velho missionário pregar acerca da
ressurreição de Lázaro: como Cristo se detivera diante do sepulcro selado e
ordenara que o mesmo fosse aberto, para que o cheiro da podridão se desfizesse
no ar parado e seco do verão; como Lázaro, atendendo ao chamado, saíra para fora,
a tropeçar na mortalha, e ficara de pé, a piscar sob o sol. Que sentira ele
naquele momento, indagara o velho? Que preço havia ele pago por aquela volta ao
mundo dos vivos? Acaso continuou para sempre, depois, estropiado, de modo que
cada rosa lhe cheirasse a podridão e cada jovem dourada lhe parecesse um
esqueleto desengonçado? Ou caminhou cheio de deslumbramento diante da novidade
das coisas o coração terno de piedade e amor pela família humana?
Olhando-os, Blaise
Meredith sentiu-se tocado pela vaga nostalgia de um passado que jamais lhe
pertencera. Que conhecera ele do amor exceto uma definição teológica e uma
culpa sussurrada no confessionário? Que significado tinham os seus conselhos
diante dessa franca, erótica comunhão, que, por disposição divina, era o começo
da vida e a garantia da continuidade da espécie humana? Logo, talvez naquela
mesma noite, aqueles dois corpos jazeriam juntos na pequena morte da qual
surgiria uma nova vida – um novo corpo, uma nova alma. Mas Blaise Meredith
dormiria sozinho, com todos os mistérios do universo reduzido a um silogismo
escolástico dentro do seu crânio. Quem estava certo – ele ou eles? Quem se
aproximava mais da perfeição do desígnio divino? Eugênio Marotta tinha razão.
Ele se afastara do convívio da família humana. Aquelas duas criaturas
arremetiam para a frente, a fim de renová-la, perpetuá-la.
Meredith sentiu-se
comovido. O cru dilema em que se encontrava o homem era assustador. Pela
primeira vez em sua vida sacerdotal, ele começou a compreender o problema real
do arrependimento, o qual não é o problema do pecado em si, mas as
consequências que proliferam dele, como parasitos numa árvore. A árvore não tem
outro remédio senão continuar a alimentar o parasito, adquirindo beleza dele,
mas, ao mesmo tempo, morrendo lentamente, à falta de um jardineiro
esclarecido...
... – Aceitarei o
“se” – respondeu Meredith, com tranquilo interesse. – Se não existe Deus, então
o universo é um caos sem sentido algum. Vive-se nele tão longa e agradavelmente
quanto se puder, tirando-se o melhor proveito dele. O senhor pode apanhar o seu
Paolo e desfrutá-lo... se a polícia e os costumes sociais permitirem. Nada
tenho a discutir com o senhor. Mas se existe um Deus – e creio que existe –
então...
... Cristo fizera
bispos e um Papa – mas jamais um cardeal. A própria palavra contém mais do que
uma sugestão de ilusão: cardo, gonzo.
Como se eles fossem os gonzos sobre os quais foram colocadas as portas do céu.
Talvez pudessem ser gonzos, mas os gonzos eram metal inútil, a menos que
firmemente gravados na estrutura viva da Igreja, cujas pedras eram os pobres,
os humildes, os ignorantes, os que pecavam e os que amavam, os esquecidos dos
príncipes, mas jamais os esquecidos de Deus.
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