Hesse, Herman. O lobo da estepe. Record; Rio de
Janeiro / RJ; 2013; 135 páginas.
Breve relato do autor:
Herman Hesse foi um
escritor alemão, que em 1923 naturalizou-se suíço. Em 1946 recebeu o Prêmio
Goethe e, passados alguns meses, o Nobel de Literatura.
Dados da obra:
Publicado em 1927, O lobo da estepe é considerado o melhor
dos livros de Hesse, e um dos romances mais representativos do século XX. No
Brasil foi traduzido por Ivo Barroso e publicado pela Editora Record em 1993. Conta
a história de Harry Haller, um outsider
de 50 anos, alcoólatra e intelectualizado, autodenominando-se de “lobo da
estepe”. Mas alguns incidentes inesperados e fantásticos e o encontro com Hermínia,
Maria e o músico Pablo o conduzem ao despertar de seu longo sono.
Passagens:
Sou, na verdade, o
Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não
encontra abrigo nem ar nem alimento num mundo que lhe é estranho e
incompreensível.
A cada um levava-o
até ali uma nostalgia, uma decepção, a necessidade de um substitutivo: o casão
buscava a atmosfera de seu tempo de solteiro, o velho funcionário ia lembrar-se
de seu tempo de estudante. Todos estavam silenciosos e eram pessoas que, como
eu, estavam melhor sentadas diante de um vinho da Alsácia do que diante de uma
orquestra feminina. Ali permaneceria ancorado, ali haveria de ficar por uma
hora ou duas. Mal bebi o primeiro gole de vinho, lembrei-me de que não havia
comido nada o dia inteiro após o café da manhã.
Solidão é
independência, com ela eu sempre sonhara e a obtivera afinal após tantos anos.
Era fria, oh! Sim!, mas também era silenciosa e grande como o frio espaço
silente em que giram as estrelas.
Só e livre, decidia
sobre seus atos e omissões. Pois todo homem forte alcança indefectivelmente o
que um verdadeiro impulso lhe ordena buscar. Mas em meio à liberdade alcançada.
Harry compreendia de súbito que essa liberdade era a morte, que estava só, que
o mundo o deixara em paz de uma inquietante maneira, que ninguém mais se
importava com ele nem ele próprio, e que se afogava aos poucos numa atmosfera
cada vez mais tênue de falta de relações e isolamento. Havia chegado o momento
em que a solidão e a independência já não eram seu objetivo e seu anseio, antes
sua condenação e sentença. O maravilhoso desejo fora realizado e já não era
possível voltar atrás e de nada valia agora abrir os braços cheio de boa
vontade e nostalgia, disposto à fraternidade e à vida social.
O burguês é, pois,
segundo sua natureza, uma criatura de impulsos vitais muito débeis e
angustiosos, temerosa de qualquer entrega de si mesma, fácil de governar. Por
isso colocou em lugar do poder a maioria, em lugar da autoridade a lei, em
lugar da responsabilidade as eleições.
Também o lobo tem
duas e mais de duas almas dentro do peito, e quem deseja ser um lobo incorre na
mesma ignorância do homem da canção: “Feliz quem voltasse a ser criança!” O
homem simpático mas sentimental que entoa a canção do menino ditoso, desejaria
voltar à Natureza, à inocência, ao princípio, mas esqueceu que nem mesmo as
crianças são felizes, e sim suscetíveis de muitos conflitos, de muitas
desarmonias, de todos os sofrimentos.
“Só para os raros!”
“Só para os loucos!” Louco eu devia ser e sem dúvida era um dos “raros”, senão
aquela vez não me teria alcançado, senão aquele mundo não me teria alcançado,
senão aquele mundo não me teria o que dizer.
Oh!, que bobão você!
Fica olhando em torno para ver se estão observando você comer do meu garfo! Não
ligue para isso, filho pródigo, não farei escândalo. Mas pobre daquele que não
pode se dar a um prazer sem pedir antes a permissão dos outros.