quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Rumor Branco

Faria, Almeida. Rumor Branco. Difel, Lisboa / Portugal, 124 páginas.

Breve relato do autor:

Almeida Faria é um escritor português que, aos 19 anos, publicou seu primeiro e premiado romance, Rumor branco. Além de romancista, é autor de ensaios, contos e teatro. Ao conjunto de sua obra foi atribuído o prêmio Vergílio Ferreira da Universidade de Évora e o prêmio Universidade de Coimbra.

Dados da obra:

Rumor Branco é uma representação do mundo português de 1962 enquanto náusea. A linguagem é fragmentada, quase sem pontuação, sintaxe ousada, neologismos, provérbios em demasia. Não tem uma história em si, mas recortes da vida de Daniel João, uma voz dissonante.

Passagens:

... nitidamente a viste em breve entrando em casa atrave3ssando o mudo átrio àquela hora vazio logo a seguir a morte o irmão correndo ao seu encontro com lágrimas nos olhos ela abraçando-o muito: por que choras se a mãe agora já não sofre? Por que choras então senão por ti? Por egoísmo choras...

... estavam diante do cinema num segundo, saltaram correndo pra entrada apinhada da gente não só que ia entrar mas que da chuva se abrigava ou que apenas olhava as pessoas que entravam ou ainda que olhava as pessoas que olhavam as pessoas que entravam.

Ao intervalo quase nem falaste com Regina e Pedro que deixaste no bar tomando dois cafés enquanto divagavas pelo átrio e sacada, no flagrante em que estavas ao alto das escadas Pedro e Regina vieram ter contigo e tu os vias em picada de cima com olhos de cinema primeiro em plano-geral ainda no meio da assistência depois plano-de-conjunto grande e logo de-meio-conjunto plano em seguida de-pé depois americano cortados pelos joelhos depois plano-de-peito aproximado seguidamente plano-vasto até que as caras se chegaram num grande plano ao nível das gargantas e finalmente inesperadamente filmaste em plano-de-detalhe os lábios de Regina que fechavam-abriam sem que entendesse bem o que diziam.

... e falam faladram falam até à fadiga contra a vida que os faz assim falar para ocultar o nada...

... é a hora em que, neste lugar, eu sei que não sou eu, sou sempre nós e sei que nunca serei só porque somos um corpo que tudo une e ama unindo no amor dando e recebendo e aumentando o dom por dom da doação sei que qualquer coisa se abre à evidência de que fomos criados para que nos criássemos, que para nos fazermos fomos feitos e que os homens não nascem mas se fazem, a cadainstante se fazem e nisso está a liberdade deles, não em fazer o que se quer, mas o que quer o ser, o que cada um é e não sabemos o que é mas sabemos que é...

Anders relata: raramente o raro rato ruivo rói a roupa remendada do rapaz romano que ruidoso rema rindo no rio de Roma...

... que mensagem me trazem dela não sabemos quem é só sabemos que é ela nada nihil nichts niente nothing nada é o que sou nada exprime aquilo que sou nada me exprime do que é nada me é como posso esperar se nada me diz o que espero com desesperada esperança mas espero com esperança ou sem ela espero pela esperança espero por ela anônimo... 

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