Faria, Almeida. Rumor Branco. Difel, Lisboa / Portugal,
124 páginas.
Breve relato do autor:
Almeida Faria é um
escritor português que, aos 19 anos, publicou seu primeiro e premiado romance, Rumor branco. Além de romancista, é autor
de ensaios, contos e teatro. Ao conjunto de sua obra foi atribuído o prêmio Vergílio Ferreira da Universidade de
Évora e o prêmio Universidade de Coimbra.
Dados da obra:
Rumor Branco
é uma representação do mundo português de 1962 enquanto náusea. A linguagem é
fragmentada, quase sem pontuação, sintaxe ousada, neologismos, provérbios em
demasia. Não tem uma história em si, mas recortes da vida de Daniel João, uma
voz dissonante.
Passagens:
... nitidamente a
viste em breve entrando em casa atrave3ssando o mudo átrio àquela hora vazio
logo a seguir a morte o irmão correndo ao seu encontro com lágrimas nos olhos
ela abraçando-o muito: por que choras se a mãe agora já não sofre? Por que
choras então senão por ti? Por egoísmo choras...
... estavam diante
do cinema num segundo, saltaram correndo pra entrada apinhada da gente não só
que ia entrar mas que da chuva se abrigava ou que apenas olhava as pessoas que
entravam ou ainda que olhava as pessoas que olhavam as pessoas que entravam.
Ao intervalo quase
nem falaste com Regina e Pedro que deixaste no bar tomando dois cafés enquanto
divagavas pelo átrio e sacada, no flagrante em que estavas ao alto das escadas
Pedro e Regina vieram ter contigo e tu os vias em picada de cima com olhos de
cinema primeiro em plano-geral ainda no meio da assistência depois
plano-de-conjunto grande e logo de-meio-conjunto plano em seguida de-pé depois
americano cortados pelos joelhos depois plano-de-peito aproximado seguidamente
plano-vasto até que as caras se chegaram num grande plano ao nível das
gargantas e finalmente inesperadamente filmaste em plano-de-detalhe os lábios
de Regina que fechavam-abriam sem que entendesse bem o que diziam.
... e falam faladram
falam até à fadiga contra a vida que os faz assim falar para ocultar o nada...
... é a hora em que,
neste lugar, eu sei que não sou eu, sou sempre nós e sei que nunca serei só
porque somos um corpo que tudo une e ama unindo no amor dando e recebendo e
aumentando o dom por dom da doação sei que qualquer coisa se abre à evidência
de que fomos criados para que nos criássemos, que para nos fazermos fomos
feitos e que os homens não nascem mas se fazem, a cadainstante se fazem e nisso
está a liberdade deles, não em fazer o que se quer, mas o que quer o ser, o que
cada um é e não sabemos o que é mas sabemos que é...
Anders relata:
raramente o raro rato ruivo rói a roupa remendada do rapaz romano que ruidoso
rema rindo no rio de Roma...
... que mensagem me
trazem dela não sabemos quem é só sabemos que é ela nada nihil nichts niente
nothing nada é o que sou nada exprime aquilo que sou nada me exprime do que é
nada me é como posso esperar se nada me diz o que espero com desesperada
esperança mas espero com esperança ou sem ela espero pela esperança espero por
ela anônimo...
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