A Mandinga
Juca Mulato apeia.
É macabro o pardieiro
Junto à porta cochila o negro feiticeiro.
A pele molambenta o esqueleto disfarça.
Há uma faísca má nessa pupila garça,
quieta, dormente, como as águas estagnadas.
Fuma: a fumaça o envolve em curvas baforadas.
Cuspinha, coça a perna onde a sarna esfarinha
a pele, pachorrento inda uma vez cuspinha.
Com o seu sinistro olhar o feiticeiro mede-o.
– Olha, Roque, você me vai dar um remédio.
Eu quero me curar do mal que me atormenta.
– Tenho ramos de arruda, urtigas, água benta,
uma infusão que cura a espinhela e a maleita,
figa para evitar tudo que é coisa feita...
com uma agulha e um cabelo, enroscado a capricho,
à mulher sem amor faço criar rabicho.
Olho um rastro, depois de rezar um bocado
vou direitinho atrás do cavalo roubado.
Com umas ervas que sei, eu faço, de repente,
do caiçara mais mole um caboclo valente!
Dize, Juca Mulato, o mal que te tortura.
– Roque eu mesmo não sei se este mal tem cura...
– Sei rezas com que venço a qualquer mau olhado;
breves para deixar todo o corpo fechado.
Não há faca que o vare e nem ponta de espinho;
fica o corpo tal qual o corpo do Dioguinho...
Mas de onde vem o mal que tanto te abateu?
– Ele vem de um olhar que nunca será meu...
Como está para o sol a luz morta da estrela,
a luz do próprio sol está para o olhar dela...
Parece o seu fulgor, quando o fito direito,
uma faca que alguém enterra no meu peito,
veneno que se bebe em rútilos cristais,
e sabendo que mata, eu quero beber mais...
– Eu já compreendo o mal que teu peito povoa.
De quem é esse olhar?
– Da filha da patroa.
– Juca Mulato! Esquece o olhar inatingível!
Não há cura, ai de ti! para o amor impossível
Arranco a lepra ao corpo; estirpo da alma o tédio;
só para o mal de amor nunca encontrei remédio...
Como queres possuir o límpído olhar dela?
Tu és tal qual um sapo a querer uma estrela...
A peçonha da cobra eu curo...
Quem souber cure o veneno que há no olhar de uma mulher!
Vencendo o teu amor, tu vences teu tormento.
Isso conseguirás só pelo esquecimento.
Esquecer um amor dói tanto que parece
que a gente vai matando um filho que estremece
ouvindo, com terror, no peito, este estribilho:
"Tu não sabes, cruel, que matas o teu filho?"
E quando se estrangula, aos seus gemidos loucos,
a gente quer que viva e vai matando aos poucos!
Foge! Arrasta contigo essa tortura imensa,
que o remédio é pior do que a própria doença,
pois, para se curar um amor tal qual esse...
– Que me resta fazer?
– Juca Mulato: esquece!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.