terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A Viagem do Elefante

Saramago, José. A Viagem do Elefante. Companhia das Letras. São Paulo / SP; 2008. 264 páginas.

Dados da obra:

A Viagem do Elefante é uma ideia que Saramago elaborava desde que, numa viagem a Salzburgo, na Áustria, entrou por acaso num restaurante chamado 'O Elefante'. A narrativa se baseia na viagem de um elefante chamado Salomão, que no século XVI cruzou metade da Europa, de Lisboa a Viena, por extravagâncias de um rei e um arquiduque.

Breve relato do autor:

José Saramago foi um escritor, argumentista, jornalista, dramaturgo, contista, romancista e poeta português. Foi galardoado com o Nobel de Literatura de 1998. Também ganhou o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa. Saramago foi considerado o responsável pelo efectivo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa.

Passagens:

“O rei fez um gesto a impor silêncio, e finalmente disse, Salomão, que assim continuará a chamar-se enquanto aqui estiver, não imagina as perturbações que tem originado entre nós a partir do dia em que decidi dá-lo ao arquiduque, creio que, no fundo, ninguém aqui quer que ele se vá, estranho caso, não é gato que se roce nas nossas pernas, não é cão que nos olhe como se fossemos o seu criador, e, no entanto, aqui estamos aflitos, quase em desespero, como se algo nos estivesse a ser arrancado,...”

“A hora, tão matutina, e o segredo com que havia sido organizada a saída, explicavam a ausência de curiosos e outras testemunhas, havendo que ressalvar, no entanto, a presença de uma carruagem do paço que se pões em movimento na direção de lisboa quando elefante e companhia desapareceram na primeira curva da estrada. Dentro, iam o rei de portugal, dom joão, o terceiro, e o seu secretário de estado, pero de alcáçova carneiro, a quem talvez não vejamos mais, ou talvez sim, porque a vida ri-se das previsões e põe palavras onde imaginamos silêncios, e súbitos regressos quando pensamos que não voltaríamos a encontrar-nos.”

“... A experiência dos lobos deve mudar muito as pessoas, Não creio que a causa tenham sido eles, Então o elefante, É mais provável, se bem que, podendo compreender mais ou menos um cão ou um gato, não consigo entender um elefante, Os cães e os gatos vivem ao nosso lado, isso facilita muito a relação, mesmo que nos equivoquemos, a contínua convivência resolverá a questão, já eles não sabemos se se equivocam e disso têm consciência, E o elefante, O elefante, já lho disse no outro dia, é outra coisa, em um elefante há dois elefantes, um que aprende o que se lhe ensina e outra que persistirá em ignorar tudo, Como sabes tudo isso, Descobri que sou tal qual o elefante, uma parte de mim aprende, a outra ignora o que a outra parte aprendeu, e tanto mais vai ignorando quanto mais tempo vai vivendo, Não sou capaz de te seguir nesses jogos de palavras, Não sou eu quem joga com as palavras, são elas que jogam comigo, ...”

“É possível que o nosso elefante pense, se aquela enorme cabeça é capaz de semelhante proeza, pelo menos espaço não lhe falta, ter razões para suspirar pelo antigo far niente, mas isso só poderia suceder graças à sua ignorância natural de que a indolência é o mais prejudicial que há para a saúde. Pior que ela só o tabaco, como lá mais para diante se há-de ver. Agora, porém, depois de trezentas léguas a andar, grande parte delas por caminhos que o diabo, apesar dos seus pés de bode, se negaria a pisar, solimão já não merece que lhe chamem indolente. Tê-lo-ia sido durante a permanência em portugal, mas isso são águas passadas, bastou-lhe ter posto o pé nas estradas da europa para logo ver acordarem em si energias de cuja existência nem ele próprio havia suspeitado. Tem-se observado com muito frequência este fenômeno nas pessoas que, pelas circunstâncias da vida, pobreza, desemprego, forma forçadas a emigrar.”

“Realmente, o maior desrespeito à realidade, seja ela, a realidade, o que for, que se poderá cometer quando nos decidimos ao inútil trabalho de descrever uma paisagem, é ter de fazê-lo com palavras que não são nossas, que nunca foram nossas, repare-se palavras que já correram milhões de páginas e de bocas antes que chegasse a nossa vez de as utilizar, palavras cansadas, exaustas de tanto passarem de mão em mão e deixarem em cada uma parte da sua substância vital.”

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