quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Um homem: Klaus Klump


Tavares, Gonçalo M. Um homem.: Klaus Klump. Companhia das Letras; São Paulo / SP; 2007; 115 páginas.

Breve relato do autor:

Gonçalo M. Tavares é um escritor e professor universitário português, cuja primeira obra foi publicada em 2001.

Dados da obra:

É o primeiro livro da série “O Reino”, cujo tema central é o mal. É uma perturbadora alegoria sobre a vida em tempos de guerra e de paz, sobre a ditadura e a democracia. Klaus Klump é editor, mas se mantém neutro com relação à situação do país, até que Johana, sua amante, é violentada por um soldado. Ele então vira guerrilheiro e refugia-se na floresta com outros combatentes.
 
Passagens:
 
Com força arrancou do solo um cão. Não era uma pequena árvore, era um cão.
Os animais não resistem como o mundo botânico, nem como um chapéu. O chapéu voa com o vento, o cão não, a árvore nunca. Mas por vezes vem uma perturbação média e a natureza mostra um dos seus luxos: a maldade. Voa o chapéu, os cães, e ainda as árvores.
 
Se tu não fosses tão alto, não te teria visto por cima da sebe.
E Klaus dizia a Johana:
Se tu não fosse tão alto, a sebe seria mais baixa.
Klaus acreditava mais no destino do que Johana.
Porém nunca há duas mudanças no mundo para um único efeito. Se Klaus fosse mais baixo, isso constituiria uma mudança no mundo. Se a sebe fosse também mais baixa, seriam duas mudanças no mundo. Se existissem dois factos diferentes no passado então não poderia ter sucedido o mesmo. O destino tem uma lógica própria. São necessários cálculos complexos para perceber o que poderia ter acontecido em vez do que realmente aconteceu. Há demasiadas possibilidades para que aconteça sempre o mesmo. O mundo tem variedade e é longo. O mundo deveria ser um túnel, onde entravas de manhã e saías de noite. Sem ramificações. Uma canalização orientada, como existe nas casas.
 
Herói de guerra, citava frases de filósofos, e versos.
Tinha sido ferido várias vezes pelos elementos da resistência. Quando a ferida não atinge a memória é insignificante, dizia. Os homens lembravam-se de o ouvir na enfermaria, sempre que era atingido, a recitar poemas inteiros que sabia desde a infância. Resistia à dor exercitando a memória. Era o seu método. Não parar de pensar – se além de sair sangue do nosso corpo, deixarmos de pensar: morremos.
 
De repente Klaus viu o que parecia ser uma claridade intrusa na sua noite individual, mas não. Era um som. Era o som de Alof a tocar. No meio da massa negra. Terá música luz, perguntou-se Klaus. Não uma luz de eletricidade, não uma luz de máquina, mas uma luz orgânica: como certos animais que deitam luzinhas das ancas; os pirilampos, certos peixes: terá a música uma luz orgânica? É que a música de noite é mais nítida, toda a gente o percebe. Ou então as formas quando visíveis diminuem a nitidez da música. Uma competição entre formas sólidas e as formas aéreas do som.
 
... Não entendia as coisas naturais que o rodeavam e sabia que também não era entendido. E se em tempo de paz tinham sido os livros a barreira: porque atraído pela literatura tinha-se afastado dos sons a que chamava primitivos, esses sons que vêm do exterior e de longe, quando se abre a janela, se em tempo de paz haviam sido os livros, em tempo de guerra eram as máquinas, neste caso as pequenas máquinas que eram as armas, que o haviam afastado da natureza. Porque o barulho das balas das granadas: nada desses sons disformes tem sequer o mínimo de vestígio verbal: não é humano, claramente, esse som...
 
Os conhecimentos ouvem-se, mas para agir a capacidade de audição é praticamente desprezável. Porque agir é estar próximo das coisas e ouvir é estar afastado das coisas. Alguém que apenas ouve nunca será considerado um intruso no mundo, a Natureza não se sentirá ameaçada. Quem ouve poderá acumular conhecimentos, mas essa acumulação não lutará com a Natureza. Esta resiste bem à inteligência, ao raciocínio e à memória do Homem: todas estas qualidades intelectuais são assuntos que dizem respeito exclusivamente ao mundo da cidade, e o que ameaça a Natureza são as acções: os momentos em que os humanos abandonam a audição, e mesmo a linguagem do discurso, e passam a querer falar com o sentido do tacto: o único que pode alterar as coisas...
 
Certos índices para a paz. Os homens juntam-se menos, há menos grupos. É um facto: a solidão aumenta nas nações pacíficas. Aproximamo-nos dos outros para nos defendermos. Por egoísmo nos juntamos.
 
A boca é importante em tempo de guerra: as pessoas têm fome: em tempo de democracia os lábios mantêm a importância, mas agora são ocupados pelos discursos. A linguagem é mais utilizada em tempo de paz, sobre isso não há dúvida: em tempo de guerra não há conversas, apenas informações. Frases rápidas e curtas.