segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Um erro emocional


Tezza, Cristovão. Um erro emocional. Record. Rio de Janeiro/RJ; 2010; 191 páginas.
 
Breve relato do autor:
 
Cristovão Tezza é romancista e professor universitário. Nascido em Lages, Santa Catarina, ele mudou-se para Curitiba (PR) aos oito anos, sendo esta cidade palco de boa parte de sua literatura.
 
Dados da obra:

 O romance narra a história de amor entre uma revisora de textos, Beatriz, e um escritor, Antonio Donetti. Quando eles se conhecem, Donetti declara que cometeu um erro emocional ao se apaixonar por ela e pede que o ajude no novo romance que está escrevendo. Eles poucos falam ou conversam, mas passam e repassam suas vidas nas lembranças de cada um, desenvolvendo uma ligação forte.

Passagens:

Sombras escurecem o mundo sem ocupá-lo, são entidades inexpugnáveis, duplos deformados e perenes, vencidos apenas pela escuridão, de que fugimos.
 
Era preciso mesmo repetir o pai, o seu maldito modelo de referência: Não procure uma mulher semelhante a você, que trabalhe na mesma área. Num momento ela vai querer ser melhor que você. Os fundamentalistas têm razão para temerem profundamente as mulheres. O mundo se transformou numa máquina feminina porque as mulheres são melhores que os homens em tudo – metódicas, sistemáticas, aplicadas, obedientes, básicas, eficientes, sensíveis, atentas, objetivas, educadas, receptivas e atraentes. Nenhum homem consegue ser tudo isso ao mesmo tempo. O pai poderia ter acrescentado: E você nunca foi alguém forte. Você vai ser esmagado. Quando se der conta, não terá mais ar para respirar.
 
... Talvez dizer agora a Beatriz, nitidamente, para que ela não se engane sobre o que vê: não, eu não quero dar sentido ao mundo, eu não quero juntar pedaço de coisa nenhuma, o que eu quero é tirar o sentido do mundo, é justo o contrário, eu quero desmontar esse senso de ordem até a última rosca, mas também isso restava incoerente, o mero impulso irracional disfarçado de atitude ou de olhar crítico; um arrogante é, basicamente, um conservador, política e psicologicamente; cada coisa no seu lugar imutável, e o meu é lá em cima...
 
...Beatriz nunca teve propriamente apelido, apenas breves resumos, Bea, Bia – e gostava, criança pequena, da expressão por um triz, que sempre provocava risadas: Por um triz, Beatriz! Pequenos cromos de infância que precisavam ser protegidos a todo custo – a representação da infância feliz, por um triz, Beatriz!

Mas o seu pai era racista? – perguntou o analista, e ele custou a responder, não certamente não; ele apenas sentiria horror de apresentar essa questão à mesa como uma variável a ser pensada; a raça como refúgio, qualquer uma, é a desistência da condição humana que o Ocidente criou a duríssimas penas, mas isso sou eu que digo – meu pai não teria esse vocabulário – tinha pose e uma retórica de chavões, o clássico mulato pernóstico em que rutilavam os olhos verdes de sararás holandeses; quanto a mim, e Donetti continuava sorrindo, eu sou apenas escuro.
 
... a infância é um bom tempo não em si, poderia acrescentar, mas só quando vista de longe. Em si, é uma sucessão fragmentária de sentimentos fortíssimos sem ligação uns com os outros, e alguns deles apavorantes até o fim dos dias, cromos que se colam na memória para todo o sempre, com seu poder escravizante...

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