Breve
relato do autor:
George Orwell foi um
escritor e jornalista inglês. Sua obra é marcada por uma inteligência perspicaz
e bem-humorada, uma consciência profunda das injustiças sociais, uma intensa
oposição ao totalitarismo e uma paixão pela clareza da escrita.
Dados
da obra:
O personagem principal,
Winston Smith vive aprisionado na engrenagem totalitária de uma sociedade
completamente dominada pelo Estado, onde tudo é feito coletivamente, mas cada
qual vive sozinho. No controle, o Grande Irmão, personificação de um poder
cínico e cruel ao infinito.
Passagens:
O mais horrível dos Dois
Minutos de Ódio não era o fato de a pessoa ser obrigada a desempenhar um papel,
mas de ser impossível manter-se à margem. Depois de trinta segundos, já não era
preciso fingir. Um êxtase horrendo de medo e sentimento de vingança, um desejo
de matar, de torturar, de afundar rostos com uma marreta, parecia circular pela
plateia inteira como uma corrente elétrica, transformando as pessoas, mesmo
contra sua vontade, em malucos a berrar, rostos deformados pela fúria.
Curiosamente, o anúncio das
horas pareceu dar-lhe novo ânimo. Era um fantasma solitário afirmando uma
verdade de que ninguém jamais ouvira falar. Só que, enquanto a afirmasse, de
alguma maneira obscura a continuidade não se romperia. Não era fazendo-se
ouvir, mas mantendo a sanidade mental que a pessoa transmitia sua herança
humana. Voltou para a mesa, molhou a pena da caneta e escreveu:
Ao
futuro ou ao passado, a um tempo em que o pensamento seja livre, em que os
homens sejam diferentes uns dos outros, em que não vivam sós – a um tempo em
que a verdade exista e em que o que foi feito não possa ser desfeito:
Da
era da uniformidade, da era da solidão, da era do Grande Irmão, da era do
duplipensamento – saudações!
Duplipensamento
significa a capacidade de abrigar simultaneamente na cabeça duas crenças
contraditórias e acreditar em ambas. O intelectual do partido sabe em que
direção suas memórias precisam ser alteradas, em consequência, sabe que está
manipulando a realidade; mas, graças ao exercício do duplipensamento, ele também se convence de que realidade não está
sendo violada. O processo precisa ser consciente, do contrário não seria
conduzido com a adequada precisão, mas também precisa ser inconsciente, do
contrário traria consigo um sentimento de falsidade e, portanto, de culpa...
... Mesmo o nome dos quatro
ministérios que nos governam exibem uma espécie de descaramento uma inversão
deliberada dos fatos. O Ministério da Paz cuida dos assuntos de guerra; o
Ministério da Verdade trata das mentiras; o Ministério do Amor pratica a tortura;
e o Ministério da Pujança lida com a escassez de alimentos. Essas contradições
não são acidentais e não resultam da mera hipocrisia: são exercícios
deliberados de duplipensamento. Pois somente reconciliando contradições é
possível exercer o poder de modo indefinido. É a única maneira de quebrar o
antigo ciclo. Se quisermos evitar para sempre o advento da igualdade entre os
homens – se quisermos que os Altos, como os chamamos, mantenham para sempre
suas posições –, o estado mental predominante dever ser forçosamente, o da
insanidade controlada.
Winston ficou pensando se
ela seria uma lavadeira profissional ou simplesmente escrava de vinte ou trinta
netos. Agora Julia estava a seu lado; juntos, olhavam com uma espécie de
fascínio para a figura robusta lá embaixo. Ao observá-la em sua pose
característica, braços grossos erguidos para alcançar ao varal, nádegas
protuberantes lembrando as ancas de uma égua, Winston percebeu pela primeira
vez que a mulher era bonita. Nunca lhe ocorrera que o corpo de uma mulher de
cinquenta anos, de dimensões assustadoras devido à maternidade, um corpo que o
trabalho tornara rijo e grosseiro e que acabara adquirindo a textura vulgar de
um nabo maduro demais pudesse ser bonito. Mas assim era, e afinal de contas
refletiu ele, por que não haveria de ser? Aquele corpo sólido, sem contornos,
semelhante a um bloco de granito, e a pele vermelha e áspera, estavam para o
corpo da garota como as bagas das roseiras bravas estavam para as rosas. Mas
por que a fruta devia ser considerada inferior à flor?
A luz ficou mais clara e ele
pôde ver os dois olhos olhando para ele. O guarda ria de suas contorções. Pelo
menos uma das perguntas estava respondida. Nunca, por nenhuma razão neste
mundo, seria possível desejar um acréscimo de dor. Quanto à dor, só era
possível desejar uma coisa: que ela cessasse. Nada no mundo era tão ruim quanto
a dor física. Diante da dor não há heróis, não há heróis, pensava uma e outra
vez, contorcendo-se no chão e segurando inutilmente o braço inutilizado.
Você acha que a realidade é
uma coisa objetiva, externa, algo que existe por conta própria. Também acredita
que a natureza da realidade é autoevidente. Quando se deixa levar pela ilusão
de que vê alguma coisa, supõe que todos os outros veem o mesmo que você. Mas eu
lhe garanto Winston, a realidade não é externa. A realidade existe na mente
humana e em nenhum outro lugar. Não na mente individual, que está sujeita a
erros e que, de toda maneira, logo perece. A realidade existe apenas na mente
do Partido, que é coletiva e imortal. Tudo o que o Partido reconhece como
verdade é a verdade. É impossível ver a realidade se não for pelos olhos do
Partido...
À vista do rosto rude e
enrugado, tão feio e tão inteligente, seu coração parecia renovar-se. Caso pudesse
mover-se, teria pousado a mão sobre o braço de O´Brien. Nunca o amou tão
profundamente quanto naquele momento, e não apenas porque ele estancara a dor.
Reavivara-se em seu íntimo o velho sentimento de que no fundo não importava se
O´Brien era amigo ou inimigo. O´Brien era alguém com quem se podia conversar.
Talvez fosse mais importante ser compreendido do que amado...
Os nazistas alemães e os
comunistas russos chegaram perto de nós em matéria de métodos, mas nunca
tiveram a coragem de reconhecer as próprias motivações. Diziam, e talvez até
acreditassem, que tinham tomado o poder contra a vontade e por um tempo ilimitado.
E que na primeira esquina da história surgiria um paraíso em que todos os seres
humanos seriam livres e iguais. Nós não somos assim. Sabemos que ninguém toma o
poder com o objetivo de abandoná-lo. Poder não é um meio, mas um fim. Não se
estabelece uma ditadura para proteger uma revolução. Faz-se a revolução para
instalar a ditadura. O objetivo da tortura é a tortura. O objetivo do poder é o
poder. Agora você está começando a me entender?
Em certo sentido (o livro)
não lhe dizia nada de novo, o que era parte do fascínio. Dizia o que ele teria
dito, se tivesse a capacidade de organizar seus pensamentos dispersos. Era o
que produto de uma mente semelhante à dele, porém muitíssimo mais poderosa,
mais sistemática, menos amedrontada. Os melhores livros, compreendeu, são
aqueles que lhe dizem o que você já sabe.
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