sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

1984


Orwell, George. 1984. Companhia das Letras. São Paulo/SP; 2009; 414 páginas.
 
Breve relato do autor:
George Orwell foi um escritor e jornalista inglês. Sua obra é marcada por uma inteligência perspicaz e bem-humorada, uma consciência profunda das injustiças sociais, uma intensa oposição ao totalitarismo e uma paixão pela clareza da escrita.
 
Dados da obra:
O personagem principal, Winston Smith vive aprisionado na engrenagem totalitária de uma sociedade completamente dominada pelo Estado, onde tudo é feito coletivamente, mas cada qual vive sozinho. No controle, o Grande Irmão, personificação de um poder cínico e cruel ao infinito.
Passagens:
O mais horrível dos Dois Minutos de Ódio não era o fato de a pessoa ser obrigada a desempenhar um papel, mas de ser impossível manter-se à margem. Depois de trinta segundos, já não era preciso fingir. Um êxtase horrendo de medo e sentimento de vingança, um desejo de matar, de torturar, de afundar rostos com uma marreta, parecia circular pela plateia inteira como uma corrente elétrica, transformando as pessoas, mesmo contra sua vontade, em malucos a berrar, rostos deformados pela fúria.
 
Curiosamente, o anúncio das horas pareceu dar-lhe novo ânimo. Era um fantasma solitário afirmando uma verdade de que ninguém jamais ouvira falar. Só que, enquanto a afirmasse, de alguma maneira obscura a continuidade não se romperia. Não era fazendo-se ouvir, mas mantendo a sanidade mental que a pessoa transmitia sua herança humana. Voltou para a mesa, molhou a pena da caneta e escreveu:
Ao futuro ou ao passado, a um tempo em que o pensamento seja livre, em que os homens sejam diferentes uns dos outros, em que não vivam sós – a um tempo em que a verdade exista e em que o que foi feito não possa ser desfeito:
Da era da uniformidade, da era da solidão, da era do Grande Irmão, da era do duplipensamento – saudações!
 
Duplipensamento significa a capacidade de abrigar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias e acreditar em ambas. O intelectual do partido sabe em que direção suas memórias precisam ser alteradas, em consequência, sabe que está manipulando a realidade; mas, graças ao exercício do duplipensamento, ele também se convence de que realidade não está sendo violada. O processo precisa ser consciente, do contrário não seria conduzido com a adequada precisão, mas também precisa ser inconsciente, do contrário traria consigo um sentimento de falsidade e, portanto, de culpa...
... Mesmo o nome dos quatro ministérios que nos governam exibem uma espécie de descaramento uma inversão deliberada dos fatos. O Ministério da Paz cuida dos assuntos de guerra; o Ministério da Verdade trata das mentiras; o Ministério do Amor pratica a tortura; e o Ministério da Pujança lida com a escassez de alimentos. Essas contradições não são acidentais e não resultam da mera hipocrisia: são exercícios deliberados de duplipensamento. Pois somente reconciliando contradições é possível exercer o poder de modo indefinido. É a única maneira de quebrar o antigo ciclo. Se quisermos evitar para sempre o advento da igualdade entre os homens – se quisermos que os Altos, como os chamamos, mantenham para sempre suas posições –, o estado mental predominante dever ser forçosamente, o da insanidade controlada.
 
Winston ficou pensando se ela seria uma lavadeira profissional ou simplesmente escrava de vinte ou trinta netos. Agora Julia estava a seu lado; juntos, olhavam com uma espécie de fascínio para a figura robusta lá embaixo. Ao observá-la em sua pose característica, braços grossos erguidos para alcançar ao varal, nádegas protuberantes lembrando as ancas de uma égua, Winston percebeu pela primeira vez que a mulher era bonita. Nunca lhe ocorrera que o corpo de uma mulher de cinquenta anos, de dimensões assustadoras devido à maternidade, um corpo que o trabalho tornara rijo e grosseiro e que acabara adquirindo a textura vulgar de um nabo maduro demais pudesse ser bonito. Mas assim era, e afinal de contas refletiu ele, por que não haveria de ser? Aquele corpo sólido, sem contornos, semelhante a um bloco de granito, e a pele vermelha e áspera, estavam para o corpo da garota como as bagas das roseiras bravas estavam para as rosas. Mas por que a fruta devia ser considerada inferior à flor?
A luz ficou mais clara e ele pôde ver os dois olhos olhando para ele. O guarda ria de suas contorções. Pelo menos uma das perguntas estava respondida. Nunca, por nenhuma razão neste mundo, seria possível desejar um acréscimo de dor. Quanto à dor, só era possível desejar uma coisa: que ela cessasse. Nada no mundo era tão ruim quanto a dor física. Diante da dor não há heróis, não há heróis, pensava uma e outra vez, contorcendo-se no chão e segurando inutilmente o braço inutilizado.
 
Você acha que a realidade é uma coisa objetiva, externa, algo que existe por conta própria. Também acredita que a natureza da realidade é autoevidente. Quando se deixa levar pela ilusão de que vê alguma coisa, supõe que todos os outros veem o mesmo que você. Mas eu lhe garanto Winston, a realidade não é externa. A realidade existe na mente humana e em nenhum outro lugar. Não na mente individual, que está sujeita a erros e que, de toda maneira, logo perece. A realidade existe apenas na mente do Partido, que é coletiva e imortal. Tudo o que o Partido reconhece como verdade é a verdade. É impossível ver a realidade se não for pelos olhos do Partido...
À vista do rosto rude e enrugado, tão feio e tão inteligente, seu coração parecia renovar-se. Caso pudesse mover-se, teria pousado a mão sobre o braço de O´Brien. Nunca o amou tão profundamente quanto naquele momento, e não apenas porque ele estancara a dor. Reavivara-se em seu íntimo o velho sentimento de que no fundo não importava se O´Brien era amigo ou inimigo. O´Brien era alguém com quem se podia conversar. Talvez fosse mais importante ser compreendido do que amado...
 
Os nazistas alemães e os comunistas russos chegaram perto de nós em matéria de métodos, mas nunca tiveram a coragem de reconhecer as próprias motivações. Diziam, e talvez até acreditassem, que tinham tomado o poder contra a vontade e por um tempo ilimitado. E que na primeira esquina da história surgiria um paraíso em que todos os seres humanos seriam livres e iguais. Nós não somos assim. Sabemos que ninguém toma o poder com o objetivo de abandoná-lo. Poder não é um meio, mas um fim. Não se estabelece uma ditadura para proteger uma revolução. Faz-se a revolução para instalar a ditadura. O objetivo da tortura é a tortura. O objetivo do poder é o poder. Agora você está começando a me entender?
Em certo sentido (o livro) não lhe dizia nada de novo, o que era parte do fascínio. Dizia o que ele teria dito, se tivesse a capacidade de organizar seus pensamentos dispersos. Era o que produto de uma mente semelhante à dele, porém muitíssimo mais poderosa, mais sistemática, menos amedrontada. Os melhores livros, compreendeu, são aqueles que lhe dizem o que você já sabe.

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