terça-feira, 30 de abril de 2013

Mulheres

Galeano, Eduardo. Mulheres. L&PM Pocket. Porto Alegre / RS; 2011; 176 páginas.

Breve relato do autor:

Eduardo Galeano é um jornalista e escritor uruguaio. Publicou mais de 40 livros, que já foram traduzidos em diversos idiomas. Suas obras transcendem gêneros ortodoxos, combinando ficção, jornalismo, análise política e história.

Dados da obra:

O livro reúne textos selecionados pelo próprio autor dos seus livros, como a trilogia Memória do fogo (Os nascimentos, As caras e as máscaras e O século do vento), O livro dos abraços, As palavras andantes, Vagamundo, Dias e noites de amor e guerra e outros. Eles enfocam pequenas histórias de mulheres célebres, outras nem tanto, ou ainda anônimas, da América Latina ou ligadas a essa região.

Passagem:

As especiarias formam, na feira, um mundo à parte. São minúsculas e poderosas. Não há carne que não se excite e jorre caldos, carne de vaca ou de peixe, de porco ou de cordeiro, quando penetrada pelas especiarias. Nós temos sempre presente que se não fosse pelos temperos não teríamos nascido na América, e nos teria faltado magia na mesa e nos sonhos. Ao fim e ao cabo, foram os temperos que empurraram Cristovão Colombo e Simbad, o Marujo. (A feira)

Não nos provoca riso o amor quando chega ao mais profundo de sua viagem, ao mais alto de seu voo: no mais profundo, no mais alto, nos arranca gemidos e suspiros, vozes de dor, embora seja dor jubilosa, e pensando bem não há nada de estranho nisso, porque nascer é uma alegria que dói. Pequena morte, chamam na França a culminação do abraço, que ao quebrar-nos faz por juntar-nos, e perdendo-nos faz por nos encontrar e acabando conosco nos principia. Pequena morte, dizem; mas grande, muito grande haverá de ser, se ao nos matar nos nasce. (A pequena morte)

Ramona ficou chorando e sangrando.
A avó tinha dito, enquanto erguia o rebenque:
Você não está apanhando por causa do que fez. Está apanhando por causa do que vai fazer. (A cultura do terror/2)

Juana caminha rumo ao convento de Santa Teresa a Antiga. Já não será dama de corte. Na serena luz do claustro e na solidão da sua cela, buscará o que não pôde encontrar lá fora. Quisera estudar na universidade os mistérios do mundo, mas as mulheres nascem condenadas ao quarto de bordar e ao marido que as escolhe. Juana Inês de Asbaje será carmelita descalça, e se chamará Sor Juana Inês de La Cruz. (Juana aos dezesseis)

Benjamin, fundador de uma nação de inventores, é um grande homem de todos os tempos. Jane é uma mulher do seu tempo, igual a quase todas as mulheres de todos os tempos, que cumpriu com seu dever nesta terra e expiou sua parte de culpa na maldição bíblica. Ela fez o possível para não ficar louca e buscou, em vão, um pouco de silêncio.
Seu caso não despertará o interesse dos historiadores. (Se ele tivesse nascido mulher)

Quando dom Simon vai-se embora, Manuela pede que lhe passem o cofre de prata. Abre o cofre com a chave escondida no peito e acaricia as muitas cartas que Bolívar tinha escrito a única mulher, papéis gastos que ainda dizem: quero ver-te e rever-te e tocar-te e sentir-te e saborear-te... Então pede o espelho e se penteia longa e calmamente, para que ele venha vistá-la em sonhos. (Os três)

Primeiro foram as mulheres dos presos. Depois, muitas outras se puseram a bordar. Por dinheiro, que ajuda a remediar; mas não só pelo dinheiro. Bordando arpilheras as mulheres se juntam, interrompem a solidão e a tristeza e por umas horas quebram a rotina da obediência ao marido, ao pai, ao filho macho e ao general Pinochet... (As bordadeiras de Santiago)

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Astronauta - Magnetar


Beyruth, Danilo. Astronauta Magnetar. Panini. São Paulo / SP; 2012; 82 páginas.

Breve relato do autor:

Danilo Beyruth é publicitário, ilustrador e quadrinista brasileiro. Autor de Necronauta e Bando de Dois, entre outras publicações.

Dados da obra:

Releitura de “o astronauta”, de Maruício de Sousa. O astronauta visita uma galáxia distante para estudar um magnetar, uma estrela de nêutrons que possui um campo magnético estimado em 1 bilhão de teslas. Mas comete um erro e fica “náufrago no espaço”, com a nave danificada e sem comunicação. A saída pode estar em aliar a tecnologia aos ensinamentos de seu velho avô, há tanto tempo falecido...

Passagem:

Mas o senhor tem invejado seu irmão, por ele ter ido no seu lugar?

Inveja, não, mas a vida me ensinou que, às vezes, é preciso abrir mão do que é mais seguro e se arriscar. Dar um salto no escuro. Mas as pessoas que te cercam também são importantes, e você deve cultivá-las, no fim, essa foi minha escolha...
 
 

terça-feira, 16 de abril de 2013

Morte súbita

Rowling, J. K. Morte súbita. Nova Fronteira. Rio de Janeiro / RJ; 2012; 501 páginas.
 
Breve relato do autor:
 
J. K. Rowling é uma escritora britânica de ficção, autora dos sete livros da famosa e premiada série Harry Potter, e de três outros pequenos livros relacionados a Harry Potter. Muitos autores influenciaram sua obra.
 
Dados da obra:
 
O livro conta a história de Pagford e seus habitantes, que, após a morte inesperada de Barry Fairbrother, membro da Câmara do vilarejo, fica em choque.
 
Passagens:
 
Na sua opinião, o maior erro de noventa e nove por cento das pessoas é ter vergonha de serem quem são, é mentir a esse respeito, fingindo ser alguém diferente. A honestidade era a sua marca, a sua arma, a sua defesa. Quando somos honestos, as pessoas se assustam, ficam chocadas. Bola descobriu que tem gente que fica aferrada a constrangimentos e falsas aparências, morrendo de medo que as suas verdades possam se espalhar. Ele, porém, gostava mesmo era das coisas nuas e cruas, de tudo que fosse feio, mas honesto, das coisas sujas que faziam pessoas como o seu pai se sentirem humilhadas e enojadas. Pensava muito sobre messias e párias, sobre homens que eram taxados de loucos ou criminosos, nobres marginais rejeitados pelas massas inertes.
 
... Lembrava-se de ter dito a uma menina bem gorducha, lá no serviço de orientação educacional, que a aparência não tinha a menor importância, pois o que contava mesmo era a personalidade. Quanta besteira a gente diz para as crianças, pensou ela, virando a página da revista.

... Tinha despejado nos ouvidos de Barry verdades e segredos que jamais confiara  a nenhum outro amigo, e aqueles olhinhos castanhos, brilhantes como os de um rouxinol, nunca deixaram de olhá-lo de um jeito amável e caloroso. Barry foi o melhor amigo que Colin teve na vida. Com ele, vivenciou um tipo de camaradagem masculina que jamais havia encontrado antes de vir morar em Pagford e que, tinha certeza, nunca mais voltaria a encontrar. O fato de alguém como ele, que se sentia um esquisitão meio excluído, para quem a vida era uma luta diária, ter conseguido ficar amigo daquele eterno otimista, tão animado e popular, sempre lhe parecera um pequeno milagre...

... Gaia tinha um jeito de andar que mexia com ele tanto quanto música, a coisa que o tocara mais que tudo no mundo. Com toda a certeza, o espírito que animava aquele corpo incomparável só podia ser também algo fora do comum. Por que a natureza faria um frasco como aquele se não fosse para lhe dar um conteúdo ainda mais precioso?

Sukhvinder escutava fascinada, mas sem admitir que já tinha visto Marco na página do Facebook da sua nova amiga. Não havia nenhum garoto como ele em toda a Winterdown: ele se parecia com Johnny Depp.

Podia ter ficado em casa, ao lado de Vikram, que estava assistindo a uma comédia na televisão com Jaswant e Rajpal quando ela saiu. O som da risada deles a abalou. Quando foi que ela tinha rido pela última vez? Por que estava ali, bebendo um vinho horroroso, lutando por uma clínica de que nunca ia precisar e pela moradia de pessoas de quem provavelmente não gostaria, se as conhecesse?

No Smithy, a alguns quilômetros do centro de Pagford, Gavin Hughes se ensaboava sob a ducha quente perguntando-se por que jamais tivera a coragem de outros homens, e como eles conseguiam fazer a escolha certa entre alternativas quase infinitas. No fundo desejava uma vida que havia vislumbrado, mas jamais experimentara. No entanto, essa mesma vida desejada o assustava. Escolher é algo perigoso: quando escolhemos, temos que abrir mão de todas as outras possibilidades.

Não conseguiu se impedir de acrescentar essa mentira. Hoje, pela primeira vez, teve certeza de que era mentira, e também de que tudo o que ela havia feito na vida, dizendo a si mesma que era o melhor caminho a tomar, não passou de um egoísmo cego, que só provocou transtornos e confusão à sua volta. Mas quem pode suportar que algumas estrelas já morreram, pensou ela, piscando os olhos para o céu; quem pode suportar saber que todas elas morreram?

quinta-feira, 11 de abril de 2013

A biblioteca mágica de Bibbi Bokken

Gaarder, Jostein e Hagerup, Klaus. A biblioteca mágica de Bibbi Bokken. Companhia das Letras. São Paulo / SP; 2003; 179 páginas.

Breve relato dos autores:

Jostein Gaarder é um escritor filho de um casal de professores e intelectual norueguês. É autor de romances filosóficos, contos, e histórias. Autor do conhecido “O Mundo de Sofia”.
Klaus Hagerup é poeta, diretor teatral e autor de livros premiados na Noruega. É filho de Inger Hagerup, que foi uma autora, dramaturga e poeta norueguesa.

Dados da obra:

O livro conta a história de dois primos, Berit e Nils, que depois de passar as férias juntos, decidem comprar um livro de cartas para se comunicar, onde escrevem o que sentem e fazem. Com isso, uma misteriosa mulher obcecada por livros começa a segui-los querendo o livro de cartas, e eles percebem que estão correndo perigo. Os primos começam a investigar bastante, e acabam descobrindo uma biblioteca mágica, e muitas outras coisas.

Passagens:

Um autor chamado Tor Åge Bringsvoerd escreveu um poema curtinho que é muito bom:
Quem mantém os dois pés no chão
não sai do lugar.
Acho que isso diz muito sobre escrever e também sobre ler. Quando leio um livro de que gosto, parece que o que estou lendo faz meus pensamentos saírem voando do livro. De certa forma, o livro não é feito apenas pelas palavras ou pelas figuras que estão no papel, mas também por tudo o que invento quando leio.

olha
a gota
que estava ali.
O que você me diz, Nils? Por via das dúvidas, segue uma interpretação totalmente pessoal.
Você já deve ter visto uma gota caindo de uma calha ou algo assim. E ela está ali, não é? Mas antes que você possa terminar de dizer que ela está ali, ela já não está mais. É assim com tudo, na minha opinião e na de Jan Erik Vold, pois tudo se transforma o tempo inteiro. Acho que esse poema fala sobre o mundo todo. E ele tem apenas seis palavras.

No mais, estive há pouco na biblioteca (Fjærland finalmente ganhou uma pequena biblioteca no andar térreo do Centro de Terceira Idade). Bem, eu entrei e dei uma olhada nas estantes. Primeiro tive uma sensação horrível ao ver que há tantos livros que ainda não li. Mas então passou o pânico inicial e fiquei com uma sensação boa de pensar que existem muitos livros emocionantes esperando que eu os leia.

... O autor era um tal de Simen Skjønsberg, e o título era O prazer assombroso – textos sobre os segredos da leitura. Ela pediu que Nils lesse em voz alta o texto da orelha do livro. Ela pigarreou duas vezes e finalmente leu:
Passeio pelas estantes das bibliotecas. Os livros me dão as costas. Não para me rejeitar, como as pessoas: são convidativos, querendo apresentar-se a mim. Metros e mais metros de livros que nunca poderei ler. E sei: o que aqui se oferece é a vida, são complementos à minha própria vida que esperam ser postos em uso. Mas os dias passam rápido e deixam para trás as possibilidades. Um único desses livros talvez bastasse para mudar completamente a minha vida. Quem sou eu agora? Quem eu seria então?

– ... Eu sou bibliógrafa. Isso quer dizer que sou mais ou menos uma especialista em livros e bibliotecas. E é disso que eu vivo. Presto serviços aqui na Noruega e em muitos outros países, portanto viajo muito. Justamente por isso, a minha biblioteca precisa estar muito bem protegida. Às vezes vou para Roma... e outras vezes é Mário quem vem para a Noruega. Mas eu também me sinto muito bem na minha própria companhia – e na de todos os meus livros. Alguém disse uma vez: “Um bom livro é o melhor amigo”. Outra pessoa expressou isso de forma semelhante: “Quem escolhe bem os seus livros estará sempre na melhor das companhias. Neles nos encontramos com os caracteres mais ricos de espírito, mais sábios e mais nobres, que constituem o orgulho e a glória da humanidade”.

– Acho que você tem olhos na nuca.
Ela deu um sorriso muito expressivo.
– Quem lê muitos livros acaba criando olhos em lugares estranhos.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

O bom inverno

Tordo, João. O bom inverno. Língua Geral. Rio de Janeiro/RJ; 2012; 426 páginas.
 
Breve relato do autor:
 
João Tordo é um jornalista e escritor português, influenciado pela escrita de autores como Edgar Allan Poe, Herman Melville ou Dostoiévski, e pela literatura policial e de mistério, construindo narrativas dentro de narrativas e absorvendo o leitor por meio da imersão emocional nas suas histórias.
 
Dados da obra:
 
A trama gira em torno de um escritor prematuramente frustrado e hipocondríaco, que viaja até Budapeste para um encontro literário. Coxo, portador de uma bengala, e planejando uma viagem rápida, ele acaba por conhecer Vincenzo Gentile, um escritor italiano mais jovem, mais enérgico, que o convence a ir da Hungria até Itália, onde um famoso produtor de cinema tem uma casa de província no meio de um bosque e onde passa a temporada de verão à qual chama de o Bom Inverno. Ali acontece um crime, ou melhor crimes, cuja narrativa lembra os romances policiais de Agatha Christie.
 
Passagens:
 
Nina apagou o cigarro no pires do café. “Tinha negócios privados em Portugal. Na quinta onde eu cresci, no meio do Alentejo”. Disse a palavra em português. “O lugar mais bonito que possa imaginar. Mas a herança mais importante que ele me deixou não foi essa”.
“Então?”
“Foi o amor aos livros. Era muito nova quando ele morreu e, nessa altura, ainda não me apaixonara pelas palavras. Hoje lembro-me muitas vezes da enorme biblioteca do meu avô. Julgo que nunca o vi sem um livro na mão.”
 
“É só um negativo”, disse Nina. “Não representa nada mais do que isso.”
“Não é completamente verdade”, argumentei. “Estou em crer que a ciência julgou, durante muito tempo, que poderia salvar não apenas o corpo, mas também a alma. E que a alma estava guardada algures dentro de nós, uma coisa qualquer que nunca ninguém tinha visto, uma luz ou um sopro, uma substância esquiva. Depois, a ciência avança e a primeira representação que nos oferece do interior do homem – onde, supostamente, reside essa tal alma eterna parece uma coisa saída de um filme de terror. É sinceramente, de se perder a esperança.”
 
Nina pensou durante uns momentos.
“Se estiver a dizer disparates, corrige-me. Mas cada vez mais acredito que só vale a pena ler um romance – neste caso, um bom romance – quando temos uma pergunta para qual não sabemos a resposta. Ou, mesmo que tenhamos encontrado a resposta, se precisarmos de confirmação.”
Fiquei intrigado. Pedi-lhe nova explicação.
“Pensa bem: o mesmo se aplica a escrever livros, ou não? Não será o escritor, verdadeiramente, o único interessado naquilo que escreve? Quero dizer, porquê andar a inventar histórias a torto-e-a-direito, a menos que essas histórias sejam a solução, temporária ou absoluta, para um enigma qualquer?”
 
 “E o que é que faz um escritor?”
Franzi o sobrolho.
“Escreve?”
“Porquê?”
“Porque tem uma pergunta na cabeça para a qual não sabe a resposta.”
“Portanto, tenta dar-lhe resposta, ordenando o mundo com suas palavras.”
“Ou desordenando-o ainda mais.”
“Pode fracassar.”
“Precisamente.”
“Embora só ele conheça o significado desse fracasso.”
 
“Os teus balões?”
“Arte perecível. Arte que não pode ser colocada num museu e que não pode ser restaurada. Arte que demora tanto tempo a projetar e a construir e tão pouco tempo a desfrutar. Arte, por assim dizer, marcada pela finitude.”
 
“... Acorrentado pelos desejos. Ou se fores crente, pelos seus pecados. Na religião há pecados veniais e pecados mortais; no meu bosque há balões pequenos e balões grandes. Sempre que um deles desaparece de vista – sempre que um deles voa tão alto que se transforma numa miragem, numa sombra de qualquer coisa que nunca chegou a ser... São como estrelas distantes cuja luz é uma falsa indicação de vida. Sempre que um deles desaparece na direção do mar, há alguma coisa em mim – e também no Don – que desaparece com eles. Um peso, ou um desejo, ou uma ilusão. Uma dor, se quiseres.”
 
Elsa olhou para os pés descalços que balançavam da beira da cama.
“Escuta”, pediu, num tom doce. “Tens de compreender que não é possível saber tudo. Existem certos momentos que, se não os vivermos, são impossíveis de resgatar através dos outros.”
 
“a vida de nada valia por ser um ensaio de si própria, um ensaio para uma peça que estava a acontecer ao mesmo tempo que era ensaiada.” – Milan Kundera.
 
“... É um erro comum, aliás; como é que se costuma dizer por aí? Que o amor liberta? Que a verdade liberta? E o trabalho também liberta o homem? Os filhos-da-puta dos fachos quiseram convencer toda a gente e escreveram-no à entrada de Auchwitz, Arbeit macht hei, e a verdade é que os judeus trabalharam e depois continuaram presos, presos, presos. E, a seguir a isso, mortos”. Bosco inspirou fundo e depois expirou. “Desengana-te: o amor não é senão peso. É a coisa que com mais força nos prende a este mundo. Significa que estamos agarrados às coisas com unhas e dentes; que nos recusamos a deixá-las para trás numa aflição patética. Porque é que te parece que enterramos os mortos? Porque eles carregam consigo o peso da vida: mesmo no leito de morte, o homem quer levar consigo as coisas que ama. É uma patologia que parece não ter fim: mesmo na morte, queremos arrastar conosco aos vivos. Queremos levar o mundo para a cova, arrastar tudo para o Inferno. Somos mortos que não querem morrer, entendes? Mortos que se recusam a aceitar o destino.”
“Que destino é esse?”
O catalão olhou na direção da porta que um vento repentino fez titubear.
“Sermos leveza ao invés de peso”, disse.
“Como os balões chineses. Insuflamos, expandimo-nos, subimos ao céu e, depois, desaparecemos para sempre. Não há dois balões iguais. Cada um só sobe uma vez, só faz uma viagem e, sendo assim, cada balão é único. O nosso propósito sempre foi esse sermos leveza. Somos únicos. Invadirmos gloriosamente os céus com a nossa chama. Não temeremos a morte”.