Breve
relato do autor:
Eduardo Galeano é um jornalista e escritor
uruguaio. Publicou mais de 40 livros, que já foram traduzidos em diversos
idiomas. Suas obras transcendem gêneros ortodoxos, combinando ficção, jornalismo,
análise política e história.
Dados da
obra:
O livro reúne textos selecionados pelo próprio
autor dos seus livros, como a trilogia Memória do fogo (Os nascimentos, As
caras e as máscaras e O século do vento), O
livro dos abraços, As palavras
andantes, Vagamundo, Dias e noites de amor e guerra e outros.
Eles enfocam pequenas histórias de mulheres célebres, outras nem tanto, ou
ainda anônimas, da América Latina ou ligadas a essa região.
Passagem:
As
especiarias formam, na feira, um mundo à parte. São minúsculas e poderosas. Não
há carne que não se excite e jorre caldos, carne de vaca ou de peixe, de porco
ou de cordeiro, quando penetrada pelas especiarias. Nós temos sempre presente
que se não fosse pelos temperos não teríamos nascido na América, e nos teria
faltado magia na mesa e nos sonhos. Ao fim e ao cabo, foram os temperos que
empurraram Cristovão Colombo e Simbad, o Marujo. (A feira)
Não nos
provoca riso o amor quando chega ao mais profundo de sua viagem, ao mais alto
de seu voo: no mais profundo, no mais alto, nos arranca gemidos e suspiros,
vozes de dor, embora seja dor jubilosa, e pensando bem não há nada de estranho
nisso, porque nascer é uma alegria que dói. Pequena
morte, chamam na França a culminação do abraço, que ao quebrar-nos faz por
juntar-nos, e perdendo-nos faz por nos encontrar e acabando conosco nos
principia. Pequena morte, dizem; mas
grande, muito grande haverá de ser, se ao nos matar nos nasce. (A pequena
morte)
Ramona
ficou chorando e sangrando.
A avó
tinha dito, enquanto erguia o rebenque:– Você não está apanhando por causa do que fez. Está apanhando por causa do que vai fazer. (A cultura do terror/2)
Juana caminha rumo ao convento de Santa Teresa a Antiga. Já não será dama de corte. Na serena luz do claustro e na solidão da sua cela, buscará o que não pôde encontrar lá fora. Quisera estudar na universidade os mistérios do mundo, mas as mulheres nascem condenadas ao quarto de bordar e ao marido que as escolhe. Juana Inês de Asbaje será carmelita descalça, e se chamará Sor Juana Inês de La Cruz. (Juana aos dezesseis)
Benjamin,
fundador de uma nação de inventores, é um grande homem de todos os tempos. Jane
é uma mulher do seu tempo, igual a quase todas as mulheres de todos os tempos, que
cumpriu com seu dever nesta terra e expiou sua parte de culpa na maldição
bíblica. Ela fez o possível para não ficar louca e buscou, em vão, um pouco de
silêncio.
Seu caso
não despertará o interesse dos historiadores. (Se ele tivesse nascido mulher)
Quando
dom Simon vai-se embora, Manuela pede que lhe passem o cofre de prata. Abre o
cofre com a chave escondida no peito e acaricia as muitas cartas que Bolívar
tinha escrito a única mulher, papéis gastos que ainda dizem: quero ver-te e rever-te e tocar-te e
sentir-te e saborear-te... Então pede o espelho e se penteia longa e
calmamente, para que ele venha vistá-la em sonhos. (Os três)
Primeiro
foram as mulheres dos presos. Depois, muitas outras se puseram a bordar. Por
dinheiro, que ajuda a remediar; mas não só pelo dinheiro. Bordando arpilheras as mulheres se juntam,
interrompem a solidão e a tristeza e por umas horas quebram a rotina da
obediência ao marido, ao pai, ao filho macho e ao general Pinochet... (As
bordadeiras de Santiago)