Breve
relato do autor:
Robert L. Stevenson foi um novelista, poeta e
escritor de roteiros de viagem. Escreveu clássicos como A Ilha do Tesouro, O Médico e
o Monstro e As Aventuras de David
Balfour (esta dividida em duas partes, Raptado
e Catriona).
Dados da
obra:
O médico
e o monstro é uma novela gótica, com elementos de ficção
científica e terror publicada originalmente em 1886. Na narrativa, um advogado
londrino chamado Gabriel John Utterson investiga estranhas ocorrências entre
seu velho amigo, Dr. Henry Jekyll, e o malvado Edward Hyde. A obra é conhecida
por sua representação vívida do fenômeno de múltiplas personalidades, quando em
uma mesma pessoa existem tanto uma personalidade boa quanto má, ambas muito
distintas uma da outra.
Passagens:
... Suas
patrulhas noturnas haviam lhe ensinado que o ruído das passadas de uma pessoa
sozinha, mesmo que ela ainda estivesse muito distante, tinha um efeito muito
perturbador quando subitamente se destacava do murmúrio e da algazarra geral da
cidade. Mesmo assim, nunca antes ele tivera sua atenção despertada de forma tão
aguda e definida. Foi com forte, supersticiosa premonição de sucesso que ele
recuou para a entrada do pátio interno.
Essa
última parte não era tão simples de levar a cabo, pois mr. Hyde tinha poucos
conhecidos. Mesmo o patrão da criada só o vira duas vezes, foi impossível
localizar sua família; ele jamais fora fotografado, e as poucas pessoas que
tinham condições de descrevê-lo discordavam muito umas das outras, como em
geral acontece com os observadores comuns. Só num ponto estavam todos de
acordo: a impressão obsessiva de deformidade indefinida que o fugitivo deixara
naqueles que haviam entrado em contato com ele.
Uma coisa
é reprimir a curiosidade, outra é acabar com ela.
Tive a
impressão de que era obrigado a optar por um dos dois. Minhas duas naturezas
tinham em comum a memória, mas todas as outras faculdades estavam repartidas da
forma totalmente desigual. Jekyll (que era um composto), às vezes com as mais
delicadas apreensões, às vezes com um gozo sôfrego, projetava-se e partilhava
os prazeres e aventuras de Hyde. Mas Hyde era indiferente a Jekyll; no máximo,
lembra-se dele como o bandoleiro lembra-se da gruta onde costuma se esconder
dos que o perseguem. Jekyll sentia mais que o interesse de um pai. Hyde sentia
mais que a indiferença de um filho. Optar por Jekyll era morrer para os
apetites a que eu me entregava havia tanto tempo e que ultimamente vinha
cultivando. Optar por Hyde era morrer para mil interesses e aspirações e
tornar-me, de um só golpe e para sempre, um homem desprezado e sem amigos. A
transação talvez parecesse desigual, mas havia outro fator por considerar:
embora Jekyll fosse sofrer intensamente nas chamas da abstinência, Hyde nem
sequer teria consciência de tudo o que perdera...