Breve relato do autor:
É um
escritor, jornalista, editor, ativista e político colombiano. Recebeu o Nobel
de Literatura em 1982 pelo conjunto de sua obra, que entre outros livros inclui
o aclamado Cem Anos de Solidão. Responsável por criar o realismo mágico na
literatura latino-americana.
Dados da obra:
Livro-reportagem
em Marquez relata o drama de sequestros ocorridos na Colômbia em 1990, por meio
de depoimentos de dezenas de pessoas envolvidas. Mesclando histórias reais com
ficção, o livro tem o objetivo de mostrar as diversas facetas da dramática
situação vivida na Colômbia, especificamente a guerra do tráfico de drogas.
Passagens:
Maruja abriu os
olhos e lembrou um velho ditado espanhol: “Que
Deus nos dê o que somos capazes de suportar.” Haviam transcorrido dez dias
desde o sequestro, e tanto Beatriz como ela começavam a se acostumar a uma
rotina que na primeira noite parecia inconcebível. Os sequestradores haviam
repetido com frequência que aquela era uma operação militar, mas o regime de
cativeiro era pior que o carcerário. Só podiam falar para questões urgentes e
sempre em sussurros. Não podiam levantar do colchão que servia de cama comum, e
tudo o que necessitassem devia ser pedido aos dois vigias que não as perdiam de
vista nem quando estavam dormindo: licença para se sentar, para esticar as
pernas, para falar com Marina, para fumar. Maruja tinha que tapar a boca com um
travesseiro para amortecer os ruídos da tosse.
Diana Turbay
Quintero tinha, como seu pai, um sentido intenso e apaixonado do poder e uma
vocação de liderança que determinaram sua vida. Cresceu entre os grandes nomes
da política, e era difícil que a partir de então não fosse essa a sua
perspectiva do mundo. “Diana era um homem de Estado – disse uma amiga que a
compreendeu e amou. – E a maior preocupação de sua vida era uma obstinada
vontade de serviço ao país.” Mas o poder – como o amor – tem dois gumes:
exercemos e padecemos. Ao mesmo tempo que gera um estado de levitação pura,
gera também seu avesso: a busca de uma felicidade irresistível e fugidia, só
comparável à busca de um amor idealizado, que se anseia mas se teme, se
persegue mas não se alcança. Diana sofria isso com uma voracidade insaciável de
saber tudo, de estar a par de tudo, de descobrir o por quê e o como das coisas
e a razão de sua vida. Alguns que conviveram com ela e a amaram de perto
perceberam isso nas incertezas de seu coração, e pensam que muito poucas vezes
ela foi feliz.
A distribuidora,
alarmada pela sua prostração, deu a ela um analgésico para a dor de cabeça,
aconselhou-a a não pensar em coisas tristes e, sobretudo, a não sofrer por
problemas alheios. Nem uma nem outra perceberiam até uma semana mais tarde que
haviam vivido um episódio inverossímil. Pois a distribuidora era Marta de
Pérez, a esposa de Luis Guilhermo Pérez, filho de Marina.
Uma droga mais
daninha que as mal chamadas em espanhol de heroicas se introduziu na cultura
nacional: o dinheiro fácil. Prosperou a ideia de que a lei é o maior obstáculo
para a felicidade, que aprender a ler e a escrever não serve para nada, que se
vive melhor e com mais segurança como delinquente do que como pessoa de bem. Em
síntese: o estado de perversão social próprio de toda guerra incipiente e
intermitente.
Com a fortuna e a
clandestinidade, Escobar tornou-se dono do território e se transformou numa
lenda que, das sombras, dominava tudo. Seus comunicados de estilo exemplar e
cautelas perfeitas chegaram a se parecer tanto com a verdade que se confundiam
com ela. No auge de seu esplendor foram erguidos altares com seu retrato e lhe
dedicaram círios nas comunidades de Medellín. Chegou-se a dizer que fazia
milagres. Nenhum colombiano em toda a história havia tido e exercido um talento
como o dele para condicionar a opinião pública. Nenhum outro teve maior poder
de corrupção. A condição mais inquietante e devastadora de sua personalidade
era que carecia por completo da indulgência para distinguir entre o bem e o
mal.
A imagem de Marina
caminhando às cegas com o capuz ao contrário para um sítio imaginário ia
perseguir Maruja por muitas noites de insônia. Mais do que a própria morte, o
que ela temia era a lucidez do momento final. A única coisa que lhe dava algum
consolo foi a caixa de comprimidos soníferos que tinha economizado como se fossem
pérolas preciosas, para engolir um punhado antes de se deixar arrastar ao
matadouro.
Pela primeira vez
desde o sequestro Villamizar foi a uma festa de amigos, e ninguém entendeu que
estivesse tão contente com alguma coisa que afinal não passava de uma promessa
vaga como tantas outras de Pablo Escobar. Àquelas horas o padre García Herreros
tinha dado a volta completa por todos os noticiários do país – vistos, ouvidos
ou escritos. Pediu que fossem tolerantes com Escobar. “Se não o frustrarmos,
ele se tornará um grande construtor da paz”, dizia. E acrescentava, sem citar
Rousseau: “Os homens em sua intimidade são todos bons, embora algumas
circunstâncias os tornem malignos.” E no meio de um emaranhado de microfones,
disse sem maiores reservas:
– Escobar é um homem
bom.
... Quando o
helicóptero pousou no prado intacto, destacaram-se do grupo uns quinze
seguranças que caminharam ansiosos até o helicóptero, ao redor de um homem que
não podia passar despercebido. Tinha o cabelo comprido até os ombros, uma barba
muito negra, espessa e áspera, que chegava até o peito, e a pele parda e
curtida por um sol de páramo. Era rechonchudo, usava tênis e uma jaqueta
azul-claro de algodão ordinário, e se movia com uma andadura fácil e uma
tranquilidade arrepiante. Villamizar reconheceu-o à primeira vista só porque
era diferente de todos os homens que havia visto na vida.
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