quinta-feira, 8 de maio de 2014

Modotti

De la Calle, Ángel. Modotti, uma mulher do século XX. Conrad; São Paulo / SP; 2005; 270 páginas.

Breve relato do autor:

Ángel de la Calle é um ilustrador, autor e crítico de quadrinhos espanhol. Também ajuda a organizar a Semana Negra de Gijón e Avilés Conferência Comic.

Dados da obra:

Em Modotti: Uma Mulher do Século XX, Ángel de la Calle tenta desvendar o mistérios da vida e da morte de Tina Modotti, fotógrafa e revolucionária de todas as vanguardas de seu tempo, artísticas e políticas. A HQ refaz os passos da revolucionária, desde sua infância em uma pobre cidade italiana, sua passagem pelo cinema, sua vida escandalosa no México, até sua vida de espiã, sua luta na Guerra Civil Espanhola e sua morte ainda sem explicação.

Passagens:

Há um café onde se misturam políticos, pistoleiros, criminosos comuns, toureiros, putas e atrizes de terceira. A personagem mais fascinante de todas é uma fotógrafa e modelo, além de prostituta de muita classe e Mata Hari do Comintern, chama-se Tina Modotti... – Kenneth Rexroth.

O que amas de verdade permanece o resto é escória.
O que amas de verdade não será arrancado de ti.
O que amas de verdade é tua verdadeira herança.
Mundo de quem, meu ou deles ou de ninguém?
Primeiro veio o visível, depois o palpável Elysium, ainda que fosse nas câmaras do inferno.
O que amas de verdade é tua verdadeira herança.
(Canto LXXXI. Ezra Pound)

O edifício mais lindo do século XX...
... coroado por uma inverossímil art –decô...
... um atracadouro para zepelins que nunca recebeu nenhum aparelho...
... criado unicamente para que, em nome de todos, um gorila gigante o escalasse com a mulher que amava nos braços...
O final da aventura do rei Símio ilustra nossa recorrente e secular derrota...
Contemplar o Empire, suas milhares de lajotas brancas de indiana, é o mais eficaz antídoto quando a melancolia nos prende...
Olhar esse longo poema em pedra corta a tristeza como o despertar corta os maus sonhos... assim era aquele dia de 1995 no qual Paco Taibo e eu chegamos a Nova York.
Um quente mês de julho...

Está vendo, Luz, me colocam para fazer fotos e traduções para El Machete... eu não entrei no ... partido para isto! Quero ajudar na rua!
Todo dia chegam meninos famintos e mulheres espancadas... quero participar de tudo isso!

Não, Luz, quero aprender a ser uma boa comunista... me esforçarei como pede Xavier... minha postura é individualista... mas vou mudar.
Tina, você é importante para as mulheres deste país... você foi a primeira a usar blue jeans! Não ria!
... seu estilo de vida, seus nus, seu trabalho... foram transcendentes para algumas de nós... e incomodam as burguesas e católicas mais que dez manifestações com foices e martelos.

Conhecemos as datas e acontecimentos daqueles meses de imersão de Tina na disciplina e prática comunista. Mas não captamos o essencial...
Como ela viveu aquele tempo? O que sentia? Mudou sua maneira colorida de se vestir pelos ocres e cinzas monásticos. Prendeu seus negríssimos e brilhantes cabelos. Foi abandonando as amizades que não participavam das causas que agora abraçava...
deu outra leitura fotográfica à miséria do México, que até então tinha entendido como forma de paisagem. Mas que sabemos de seu eu profundo?... Sentia relâmpagos de rancor? Como adormeciam os antigos desejos de uma conversa vivendo com um dogmático? Nas noites sem sono, quais estrelas ela olhava? Como se desenhavam seus medos, se os tinha?

Como se diz, o incidente está resolvido. A barca amorosa encalhou na mediocridade. Estou em paz com a vida. Não precisam enumerar dores, desgraças, ofensas mútuas.
Vladimir Maiakóvski – Continuem feliz – 12/4/30.

De todas as versões sobre o abandono definitivo da fotografia por Tina, fico com a de Pablo Neruda.
O poeta conta em suas memórias que uma noite sob o espesso céu moscovita, Tina caminhou até a beira do Rio Moskova... E depositou sua câmera, a amada Graflex, na corrente gelada. Não parece realista que isso tenha acontecido assim... mas que bonito teria sido!

A opinião de Tina em relação a Eisenstein era – não havia como não ser – ambivalente. Como não simpatizar com o homem que escreveu aquela carta a Goebbels?...
... como o intelectual culto que teorizava, que desenhava, que filmava a revolução. – Toio! Goebbels disse que o nacional-socialismo necessita de filmes com o Encouraçado Potemkin, mas fascistas! E Sergei respondeu... Eu gostaria de adaptar o Ulisses. Admiro a objetividade de Joyce. Fico Feliz que entenda sua grandeza, Tina.
Se não tivesse sido por Leonardo, Lênin, Freud e o cinema, eu seria mais um Oscar Wilde...

Entre os amigos de Tina em Moscou estavam Olga Benário e o brasileiro Luis Carlos Prestes. Olga judia e alemã, morreria na câmera de gás de um campo de extermínio nazista.
Luís Carlos Prestes, o cavaleiro da esperança, como é chamado pelo escritor Jorge
Amado em uma biografia precoce... do líder comunista no Brasil.

Imagino aquelas primaveras em Paris... e sonho com Tina presa pela nostalgia... dirigindo seus melancólicos passos pela margem esquerda do Sena... Visitando, como uma voyeur invisível, a acolhedora Livraria de Adrienne Monnier... cruzando com Walter Benjamin, o exilado interior. O único que parecia se dar conta de que a fotografia mudou a percepção da arte para sempre...
O que terão dito uma ao outro, a fotógrafa que já não fotografava, e o lúcido pensador assustado e suicida?
E uns metros adiante, a Livraria de Silvia Beach. Providencial ilha para vagabundos e náufragos da língua inglesa.

Quando, em 1991, se leilou Rosas, a foto de Tina, a empresário Susie Tomkins pagou 165.000 dólares por ela... Valia tanto porque, além de arte, era a obra de uma mulher comunista, e feita em um país exótico... tudo muito chique, muito anos 90!
Tina era artista engajada, vivia em terras distantes e... era mulher. Tinha se tornado glamorosa! 40 anos antes, seu trabalho incomodava tanto que era preciso escondê-lo dentro de um envelope barato de papel marrom.

Tina Modotti, irmã, você não dorme, não, não dormes. Talvez o seu coração ouça crescer a rosa de ontem, a última rosa de ontem, a nova rosa. Descanse docemente, irmã.
... (Neruda)

Quando quero me lembrar de Tina Modotti devo fazer um esforço, como se se tratasse de recolher um punhado de névoa. Frágil, quase invisível. Eu a conheci ou não a conheci? (Neruda)

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