sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Travessuras da menina má

Llosa, Mario Vargas. Travessuras da Menina Má. Objetiva-Alfaguara; Rio de Janeiro / RJ; 2006; 302 páginas.

Breve relato do autor:

Mario Vargas Llosa é escritor, jornalista, ensaísta e político peruano, laureado com o Nobel de Literatura em 2010.
 
Dados da obra:

É um romance de ficção com leves traços autobiográficos do autor. Narra a história de amor de Ricardo Somocurcio, um pacato peruano que realiza o sonho de infância e vai morar em Paris, pela Menina Má, uma garota ousada que ele conheceu no Peru na década de 1950 e que cruzará seu caminho por várias cidades como Paris, Londres, Japão e Madrid, sempre com um nome e um marido diferente.

Passagens:

Desde que me entendo por gente eu sonhava morar em Paris. Provavelmente por culpa do meu pai, daqueles livros de Paul Féval, Júlio Verne, Alexandre Dumas e tantos outros que ele me fez ler antes de morrer no acidente que me deixou órfão. Esses romances encheram a minha cabeça de aventuras e me convenceram de que a vida na França era mais rica, mais alegre, mais bela e mais tudo que em qualquer outro lugar.

– É isso o que você quer na vida? Só isso? Todo mundo que vem a Paris tem a aspiração de ser pintor, escritor, músico, ator, diretor de teatro, sonha fazer um doutorado ou a revolução. E você só quer isso, morar em Paris? Nunca engoli essa história, meu velho, confesso.
– Já sei que não. Mas é a pura verdade, Paul. Quando era pequeno, dizia que queria ser diplomata, mas era só para que me mandassem a Paris. É isso o que quero: morar aqui. Você acha pouco?
 
Na segunda metade dos anos 60, Londres substituiu Paris como a cidade das modas que, partindo da Europa, se espalhavam pelo mundo. A música substituiu os livros e as ideias como centro de atração para os jovens, principalmente a partir dos Beatles, mas também de Cliff Richard, Shadows, Rolling Stones com Mick Jagger e outras bandas e cantores ingleses, e dos hippies e a revolução psicodélica dos flower children.

Ao ouvir sua voz, senti como havia passado o tempo desde que saí do Peru para viver a aventura europeia. Mas, conversando com eles, confirmei também que seria impossível voltar para lá, voltar a falar e a pensar como os pais de Juan falavam e pensavam. Seus comentários sobre o que viam em Earl´s Court, por exemplo, mostravam de maneira bem explícita como eu tinha mudado em todos aqueles anos. Não era uma revelação animadora. Eu deixara de ser peruano em muitos sentidos sem dúvida. Mas o que era, então? Tampouco chegara a virar um europeu, na França nem muito menos na Inglaterra.

Apesar de estar sempre ocupado trabalhando e fazendo várias coisas, pela primeira vez, nos anos 70, ao examinar a minha vida tentando ser objetivo, tudo começou a me parecer bastante estéril, e o meu futuro, o de um solteirão incorrigível, um forasteiro que jamais se integraria de fato na França dos seus amores. E lembrava sempre de um apocalíptico desplante de Salomón Toledano que um dia, na sala de intérpretes da Unesco, resolveu nos interpelar assim: “E se, de repente, sentirmos que vamos morrer e nos perguntarmos ‘Que rastro deixaremos na nossa passagem por este canil?’, a resposta honesta seria: nenhum, não fizemos nada, além de falar pelos outros. O que significa, então, ter traduzido milhões de palavras se não nos lembramos de nenhuma, porque nenhuma merecia ser lembrada?” Não admirava que o Trujimán fosse impopular entre a turma da profissão.

Você nunca vai viver sossegado comigo, estou avisando. Porque não quero que você se canse de mim, que se acostume comigo. Vamos nos casar para arrumar meus papéis, mas nunca serei sua esposa. Quero ser sempre sua amante, sua cachorra, sua puta. Coimo esta noite. Porque assim vai ficar sempre louquinho por mim.
 
Não tenho tanta certeza, tio. Sim, é verdade, tenho uma profissão que me permite viver numa cidade magnífica. Mas, lá, acabei me tornando um ser sem raízes, um fantasma. Nunca vou ser um francês, embora meu passaporte diga que sou. Lá serei sempre um métèque. E deixei de ser peruano, porque aqui me sinto ainda mais estrangeiro do que em Paris.