Breve
relato do autor:
Mario Vargas Llosa é escritor,
jornalista, ensaísta e político peruano, laureado com o Nobel de Literatura em
2010.
Dados
da obra:
É um romance de ficção com leves
traços autobiográficos do autor. Narra a história de amor de Ricardo
Somocurcio, um pacato peruano que realiza o sonho de infância e vai morar em
Paris, pela Menina Má, uma garota ousada que ele conheceu no Peru na década de
1950 e que cruzará seu caminho por várias cidades como Paris, Londres, Japão e
Madrid, sempre com um nome e um marido diferente.
Passagens:
Desde que me entendo por gente eu
sonhava morar em Paris. Provavelmente por culpa do meu pai, daqueles livros de
Paul Féval, Júlio Verne, Alexandre Dumas e tantos outros que ele me fez ler
antes de morrer no acidente que me deixou órfão. Esses romances encheram a
minha cabeça de aventuras e me convenceram de que a vida na França era mais
rica, mais alegre, mais bela e mais tudo que em qualquer outro lugar.
– É isso o que você quer na vida? Só
isso? Todo mundo que vem a Paris tem a aspiração de ser pintor, escritor,
músico, ator, diretor de teatro, sonha fazer um doutorado ou a revolução. E
você só quer isso, morar em Paris? Nunca engoli essa história, meu velho,
confesso.
– Já sei que não. Mas é a pura
verdade, Paul. Quando era pequeno, dizia que queria ser diplomata, mas era só
para que me mandassem a Paris. É isso o que quero: morar aqui. Você acha pouco?
Na segunda metade dos anos 60,
Londres substituiu Paris como a cidade das modas que, partindo da Europa, se
espalhavam pelo mundo. A música substituiu os livros e as ideias como centro de
atração para os jovens, principalmente a partir dos Beatles, mas também de
Cliff Richard, Shadows, Rolling Stones com Mick Jagger e outras bandas e
cantores ingleses, e dos hippies e a revolução psicodélica dos flower children.
Ao ouvir sua voz, senti como havia
passado o tempo desde que saí do Peru para viver a aventura europeia. Mas,
conversando com eles, confirmei também que seria impossível voltar para lá,
voltar a falar e a pensar como os pais de Juan falavam e pensavam. Seus
comentários sobre o que viam em Earl´s Court, por exemplo, mostravam de maneira
bem explícita como eu tinha mudado em todos aqueles anos. Não era uma revelação
animadora. Eu deixara de ser peruano em muitos sentidos sem dúvida. Mas o que
era, então? Tampouco chegara a virar um europeu, na França nem muito menos na
Inglaterra.
Apesar de estar sempre ocupado
trabalhando e fazendo várias coisas, pela primeira vez, nos anos 70, ao
examinar a minha vida tentando ser objetivo, tudo começou a me parecer bastante
estéril, e o meu futuro, o de um solteirão incorrigível, um forasteiro que
jamais se integraria de fato na França dos seus amores. E lembrava sempre de um
apocalíptico desplante de Salomón Toledano que um dia, na sala de intérpretes
da Unesco, resolveu nos interpelar assim: “E se, de repente, sentirmos que
vamos morrer e nos perguntarmos ‘Que rastro deixaremos na nossa passagem por
este canil?’, a resposta honesta seria: nenhum, não fizemos nada, além de falar
pelos outros. O que significa, então, ter traduzido milhões de palavras se não
nos lembramos de nenhuma, porque nenhuma merecia ser lembrada?” Não admirava
que o Trujimán fosse impopular entre a turma da profissão.
Você nunca vai viver sossegado
comigo, estou avisando. Porque não quero que você se canse de mim, que se
acostume comigo. Vamos nos casar para arrumar meus papéis, mas nunca serei sua
esposa. Quero ser sempre sua amante, sua cachorra, sua puta. Coimo esta noite.
Porque assim vai ficar sempre louquinho por mim.
Não tenho tanta certeza, tio. Sim, é
verdade, tenho uma profissão que me permite viver numa cidade magnífica. Mas,
lá, acabei me tornando um ser sem raízes, um fantasma. Nunca vou ser um
francês, embora meu passaporte diga que sou. Lá serei sempre um métèque. E
deixei de ser peruano, porque aqui me sinto ainda mais estrangeiro do que em
Paris.