segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A vida privada das árvores



Zambra, Alejandro. A vida privada das árvores. Cosac Naify. São Paulo / SP; 2013; 93 páginas.
 
Breve relato do autor:
 
Alejandro Zambra é um poeta e contista chileno, selecionado em 2007 pelo Festival de Hay como um dos escritores latino-americanos mais importantes e eleito em 2010 pela revista Granta entre os 22 melhores escritores de língua espanhola com menos de 35 anos.
 
Dados da obra:
 
A vida privada das árvores é a história de uma espera. Julián, um professor de literatura e aspirante a escritor, aguarda a chegada de Verónica, sua mulher. Mas ela não chega e a espera se alonga. Junto com a enteada, a pequena Daniela, Julián distrai as horas contando histórias de árvores para a menina. Enquanto a mulher não chega, Julián recompõe na memória seu passado e, na imaginação, inventa um futuro possível no qual sua companheira já não existe.
 
Passagens:
 
Leu atentamente Ungaretti, Montale, Pavese, Pasolini, e poetas mais recentes, como Patrizia Cavalli e Valerio Magrelli, mas de maneira nenhuma é especialista em poesia italiana. Além do mais, no Chile não é tão grave dar aulas de poesia italiana sem saber italiano porque Santiago está cheia de professores de inglês que não sabem inglês, de dentistas que mal sabem extrair um dente e de personal trainers com sobrepeso, e de professores de ioga que não conseguiram dar aulas sem generosa dose prévia de ansiolíticos.
 
... Julián não queria recuperar o amor, pois deixara de amá-la havia muito tempo. Deixara de amá-la um segundo antes de começar a amá-la. Soa estranho, mas é assim que ele sente: em vez de amar Karla, ele amara a possibilidade do amor. Amara a ideia de um vulto se movendo entre lençóis brancos e sujos.
 
Verónica é uma mulher que não chega, Karla é uma mulher que não estava.
A mãe de Karla é uma mulher que foi embora e que voltou quando ninguém a esperava.
Karla é uma mulher que não esteve.
Karla é uma mulher que esteve, mas não esteve. Saiu, foi procurar sua mãe, do mesmo modo que outros saem para caçar.
Saiu, foi comprar cigarros. Karla não esteve, não estava: saiu para comprar cigarros, foi procurar a mãe, foi à caça.
O pneu de Verónica furou. Ela sabe que não posso ir procurá-la. Não posso deixar a menina sozinha. Verónica vai trocar o pneu.
Verónica é uma mulher no meio da avenida trocando um pneu. Centenas de carros passam a cada minuto, mas ninguém se detém para ajudá-la. É isso que está acontecendo, pensa Julián, que r
resolve se apegar a imagem de Verónica perdida, trocando pneu, sozinha, numa avenida distante.
 
... Fecha os olhos e pressiona as pálpebras durante vinte, trinta segundos. E volta, com cuidado, com medo, a este relato de contornos fixos, que às vezes se assemelha a um livro que ensina a pintar. Há três lugares, e três pequenas bibliotecas populares: azul, branco, verde, bege, vermelho e café. A literatura chilena é cor de café. A sala é branca e talvez a neve também seja branca. As ruas não são brancas: as ruas são azul claro ou azul escuro, verde-água, verde-esmeralda, vermelhas, rosadas, amarelas: Ahumada é vermelha, Recoleta é rosada, e Tobalada, a rua paralela à passagem onde vive agora, é azul celeste, como a Bilbao. Diez de Julio e Vicuña Mackenna são ruas cor de laranja.
 
Não pode negar gosta cada vez mais da solidão; as semanas com Ernesto, por sua vez, têm sido travadas, ásperas. Não que haja violência ou tédio. É uma espécie de falha, uma velatura que alguém espalhou sobre a tela onde Ernesto e Daniela posam para a posteridade. Sabe que muito breve Ernesto não voltará mais. Imagina-se desconcertada, e depois furiosa, e finalmente invadida por uma decisiva quietude. Tudo bem, era sem compromisso, como deve ser: ama-se para deixar-se de amar e se deixa de amar para começar a amar outros, ou para ficar sozinho, por um tempo ou para sempre. Esse é o dogma. O único dogma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.