Zambra, Alejandro. A vida privada das árvores. Cosac Naify. São Paulo / SP; 2013; 93 páginas.
Breve
relato do autor:
Alejandro
Zambra é um poeta e contista chileno, selecionado em 2007 pelo Festival de Hay
como um dos escritores latino-americanos mais importantes e eleito em 2010 pela
revista Granta entre os 22 melhores escritores de língua espanhola com menos de
35 anos.
Dados da
obra:
A vida
privada das árvores é a história de uma espera. Julián, um professor
de literatura e aspirante a escritor, aguarda a chegada de Verónica, sua
mulher. Mas ela não chega e a espera se alonga. Junto com a enteada, a pequena
Daniela, Julián distrai as horas contando histórias de árvores para a menina.
Enquanto a mulher não chega, Julián recompõe na memória seu passado e, na
imaginação, inventa um futuro possível no qual sua companheira já não existe.
Passagens:
Leu atentamente
Ungaretti, Montale, Pavese, Pasolini, e poetas mais recentes, como Patrizia
Cavalli e Valerio Magrelli, mas de maneira nenhuma é especialista em poesia
italiana. Além do mais, no Chile não é tão grave dar aulas de poesia italiana
sem saber italiano porque Santiago está cheia de professores de inglês que não
sabem inglês, de dentistas que mal sabem extrair um dente e de personal trainers
com sobrepeso, e de professores de ioga que não conseguiram dar aulas sem
generosa dose prévia de ansiolíticos.
... Julián não
queria recuperar o amor, pois deixara de amá-la havia muito tempo. Deixara de
amá-la um segundo antes de começar a amá-la. Soa estranho, mas é assim que ele
sente: em vez de amar Karla, ele amara a possibilidade do amor. Amara a ideia
de um vulto se movendo entre lençóis brancos e sujos.
Verónica é uma mulher que não chega, Karla é uma mulher que
não estava.
A mãe de Karla é uma mulher que foi embora e que voltou
quando ninguém a esperava.
Karla é uma mulher que não esteve.
Karla é uma mulher que esteve, mas não esteve. Saiu, foi
procurar sua mãe, do mesmo modo que outros saem para caçar.
Saiu, foi comprar cigarros. Karla não esteve, não estava:
saiu para comprar cigarros, foi procurar a mãe, foi à caça.
O pneu de Verónica furou. Ela sabe que não posso ir
procurá-la. Não posso deixar a menina sozinha. Verónica vai trocar o pneu.
Verónica é uma mulher no meio da avenida trocando um pneu.
Centenas de carros passam a cada minuto, mas ninguém se detém para ajudá-la. É
isso que está acontecendo, pensa Julián, que r
resolve se apegar a imagem de
Verónica perdida, trocando pneu, sozinha, numa avenida distante.
... Fecha os olhos e pressiona as pálpebras durante vinte,
trinta segundos. E volta, com cuidado, com medo, a este relato de contornos
fixos, que às vezes se assemelha a um livro que ensina a pintar. Há três
lugares, e três pequenas bibliotecas populares: azul, branco, verde, bege,
vermelho e café. A literatura chilena é cor de café. A sala é branca e talvez a
neve também seja branca. As ruas não são brancas: as ruas são azul claro ou
azul escuro, verde-água, verde-esmeralda, vermelhas, rosadas, amarelas: Ahumada
é vermelha, Recoleta é rosada, e Tobalada, a rua paralela à passagem onde vive
agora, é azul celeste, como a Bilbao. Diez de Julio e Vicuña Mackenna são ruas
cor de laranja.
Não pode negar gosta cada vez mais da solidão; as semanas
com Ernesto, por sua vez, têm sido travadas, ásperas. Não que haja violência ou
tédio. É uma espécie de falha, uma velatura que alguém espalhou sobre a tela
onde Ernesto e Daniela posam para a posteridade. Sabe que muito breve Ernesto
não voltará mais. Imagina-se desconcertada, e depois furiosa, e finalmente
invadida por uma decisiva quietude. Tudo bem, era sem compromisso, como deve
ser: ama-se para deixar-se de amar e se deixa de amar para começar a amar
outros, ou para ficar sozinho, por um tempo ou para sempre. Esse é o dogma. O
único dogma.
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