De la Calle, Ángel. Modotti, uma mulher do século XX. Conrad; São Paulo / SP; 2005;
270 páginas.
Breve
relato do autor:
Ángel de la Calle é um ilustrador, autor e crítico
de quadrinhos espanhol. Também ajuda a organizar a Semana Negra de Gijón e
Avilés Conferência Comic.
Dados da
obra:
Em Modotti:
Uma Mulher do Século XX, Ángel de la Calle tenta desvendar o mistérios da
vida e da morte de Tina Modotti, fotógrafa e revolucionária de todas as
vanguardas de seu tempo, artísticas e políticas. A HQ refaz os passos da
revolucionária, desde sua infância em uma pobre cidade italiana, sua passagem
pelo cinema, sua vida escandalosa no México, até sua vida de espiã, sua luta na
Guerra Civil Espanhola e sua morte ainda sem explicação.
Passagens:
Há um café onde se
misturam políticos, pistoleiros, criminosos comuns, toureiros, putas e atrizes
de terceira. A personagem mais fascinante de todas é uma fotógrafa e modelo,
além de prostituta de muita classe e Mata Hari do Comintern, chama-se Tina
Modotti... – Kenneth Rexroth.
O que amas de
verdade permanece o resto é escória.
O que amas de
verdade não será arrancado de ti.
O que amas de
verdade é tua verdadeira herança.
Mundo de quem, meu
ou deles ou de ninguém?
Primeiro veio o
visível, depois o palpável Elysium, ainda que fosse nas câmaras do inferno.
O que amas de
verdade é tua verdadeira herança.
(Canto LXXXI. Ezra
Pound)
O edifício mais
lindo do século XX...
... coroado por uma
inverossímil art –decô...
... um atracadouro
para zepelins que nunca recebeu nenhum aparelho...
... criado
unicamente para que, em nome de todos, um gorila gigante o escalasse com a
mulher que amava nos braços...
O final da aventura
do rei Símio ilustra nossa recorrente e secular derrota...
Contemplar o Empire, suas milhares de lajotas brancas
de indiana, é o mais eficaz antídoto quando a melancolia nos prende...
Olhar esse longo
poema em pedra corta a tristeza como o despertar corta os maus sonhos... assim
era aquele dia de 1995 no qual Paco Taibo e eu chegamos a Nova York.
Um quente mês de
julho...
Está vendo, Luz, me
colocam para fazer fotos e traduções para El
Machete... eu não entrei no ... partido para isto! Quero ajudar na rua!
Todo dia chegam
meninos famintos e mulheres espancadas... quero participar de tudo isso!
Não, Luz, quero
aprender a ser uma boa comunista... me esforçarei como pede Xavier... minha
postura é individualista... mas vou mudar.
Tina, você é
importante para as mulheres deste país... você foi a primeira a usar blue jeans! Não ria!
... seu estilo de
vida, seus nus, seu trabalho... foram transcendentes para algumas de nós... e
incomodam as burguesas e católicas mais que dez manifestações com foices e
martelos.
Conhecemos as datas
e acontecimentos daqueles meses de imersão de Tina na disciplina e prática
comunista. Mas não captamos o essencial...
Como ela viveu
aquele tempo? O que sentia? Mudou sua maneira colorida de se vestir pelos ocres
e cinzas monásticos. Prendeu seus negríssimos e brilhantes cabelos. Foi
abandonando as amizades que não participavam das causas que agora abraçava...
deu outra leitura
fotográfica à miséria do México, que até então tinha entendido como forma de
paisagem. Mas que sabemos de seu eu profundo?... Sentia relâmpagos de rancor?
Como adormeciam os antigos desejos de uma conversa vivendo com um dogmático?
Nas noites sem sono, quais estrelas ela olhava? Como se desenhavam seus medos,
se os tinha?
Como se diz, o
incidente está resolvido. A barca amorosa encalhou na mediocridade. Estou em
paz com a vida. Não precisam enumerar dores, desgraças, ofensas mútuas.
Vladimir Maiakóvski
– Continuem feliz – 12/4/30.
De todas as versões
sobre o abandono definitivo da fotografia por Tina, fico com a de Pablo Neruda.
O poeta conta em
suas memórias que uma noite sob o espesso céu moscovita, Tina caminhou até a
beira do Rio Moskova... E depositou sua câmera, a amada Graflex, na corrente
gelada. Não parece realista que isso tenha acontecido assim... mas que bonito
teria sido!
A opinião de Tina em
relação a Eisenstein era – não havia como não ser – ambivalente. Como não
simpatizar com o homem que escreveu aquela carta a Goebbels?...
... como o
intelectual culto que teorizava, que desenhava, que filmava a revolução. –
Toio! Goebbels disse que o nacional-socialismo necessita de filmes com o Encouraçado Potemkin, mas fascistas! E
Sergei respondeu... Eu gostaria de adaptar o Ulisses. Admiro a objetividade de Joyce. Fico Feliz que entenda sua
grandeza, Tina.
Se não tivesse sido
por Leonardo, Lênin, Freud e o cinema, eu seria mais um Oscar Wilde...
Entre os amigos de
Tina em Moscou estavam Olga Benário e o brasileiro Luis Carlos Prestes. Olga
judia e alemã, morreria na câmera de gás de um campo de extermínio nazista.
Luís Carlos Prestes,
o cavaleiro da esperança, como é chamado pelo escritor Jorge
Amado em uma biografia precoce... do líder comunista no Brasil.
Imagino aquelas
primaveras em Paris... e sonho com Tina presa pela nostalgia... dirigindo seus
melancólicos passos pela margem esquerda do Sena... Visitando, como uma voyeur
invisível, a acolhedora Livraria de Adrienne Monnier... cruzando com Walter
Benjamin, o exilado interior. O único que parecia se dar conta de que a
fotografia mudou a percepção da arte para sempre...
O que terão dito uma
ao outro, a fotógrafa que já não fotografava, e o lúcido pensador assustado e
suicida?
E uns metros
adiante, a Livraria de Silvia Beach. Providencial ilha para vagabundos e
náufragos da língua inglesa.
Quando, em 1991, se
leilou Rosas, a foto de Tina, a
empresário Susie Tomkins pagou 165.000 dólares por ela... Valia tanto porque,
além de arte, era a obra de uma mulher comunista, e feita em um país exótico...
tudo muito chique, muito anos 90!
Tina era artista
engajada, vivia em terras distantes e... era mulher. Tinha se tornado
glamorosa! 40 anos antes, seu trabalho incomodava tanto que era preciso escondê-lo
dentro de um envelope barato de papel marrom.
Tina Modotti, irmã,
você não dorme, não, não dormes. Talvez o seu coração ouça crescer a rosa de
ontem, a última rosa de ontem, a nova rosa. Descanse docemente, irmã.
... (Neruda)
Quando quero me
lembrar de Tina Modotti devo fazer um esforço, como se se tratasse de recolher
um punhado de névoa. Frágil, quase invisível. Eu a conheci ou não a conheci?
(Neruda)