quarta-feira, 4 de junho de 2014

Em nome da mãe

Luca, Erri de. Em nome da mãe. Companhia das Letras; São Paulo / SP; 2007; 89 páginas.

Breve relato do autor:

Erri de Lucca é um escritor italiano. Foi dirigente do grupo de extrema esquerda Lotta Continua, caminhoneiro e pedreiro. Durante a guerra na ex-Iugoslávia, dirigiu comboios humanitários destinados à população da Bósnia. Publicou seu primeiro livro Non ora, non qui aos 39 anos e colabora em diversos jornais. É autor de, entre outras obras, Aceto, arcobaleno (Prêmio France Culture, 1994), Três cavalos (Berlendis & Vertecchia Editores, 2006) e Montedidio (Prêmio Femina Étranger, 2002).

Dados da obra:

Em Nome da Mãe trata da vida, esse mistério que é a vida, por meio da Maternidade. Com a palavra Maria – Miriam, na versão hebraica –, a mãe do Menino Jesus – Ieshu –, que vai contar os nove meses entre a Anunciação, na aldeia de Nazaré, à Natividade, em Belém. O autor, estudioso dos textos bíblicos, por meio de seu conhecimento, mas principalmente da sua sensibilidade, se propõe a desvendar esse mistério, mas sem compromisso com conceitos teológicos e filosóficos.

Passagens:

“Em nome do pai” inaugura o sinal-da-cruz. Em nome da mãe inaugura-se a vida.

Os homens dão tanta importância às palavras, para eles são tudo o que conta, que tem valor. Iosef queria conhecê-las para poder guardá-las, relatá-las. Logo imaginou as consequências legais. O anuncio quebrara nosso compromisso. Eu estava grávida de um anjo que chegara, antes do compromisso. Eu estava grávida de um anjo que chegara, antes do casamento. Por isso ele pedia outras palavras, para citar na assembleia, em busca de uma defesa perante a aldeia.

Enquanto isso acontecia, eu olhava para baixo, para a veste, até os pés. Debaixo dela, meu corpo fechado estava calmo como um campo de neve. Enquanto ele falava, eu me tornava mãe. Para perdurar, os homens precisam de palavras, as do anjo para mim eram vento sem importância. Ele portava palavras e sementes, para mim bastava uma.

... Tamar infringiu a lei para poder aplicá-la, porque tinha direito de ser mãe em Israel. Belo nome, Tamar, palmeira que quer dar frutos.

Senhor, Adonai, a tua frase dirigida à nossa mãe Eva: “Com dor darás à luz filhos” não me amedronta. É correta a hora dos empurrões para fora, do esforço. Será preciso bastante esforço para arrancar o menino de mim. Estamos muito bem, nós dois, num só corpo. Bendito o esforço que nos impõe.

Ele conhece meus pensamentos. É um varão e me recrimina. Ocupa todo o meu espaço, não só o do ventre. Está nos meus pensamentos, na minha respiração, cheira o mundo através do meu nariz. Está em todas as fibras do meu corpo. Quando sair, vai me esvaziar, vai me deixar vazia como uma casca de noz. Gostaria que nunca nascesse. Recebo outro chute, porém mais delicado.

“... Com é, Miriam, conter um filho, uma trouxinha de filho, dentro do corpo?”
“Perguntas à panela como se sente? Sou só um receptáculo, gostaria de saber como ele se sente dentro de mim.”
“Um receptáculo? Como podes falar dessa maneira?”

“Sem conhecer nenhum homem, que mulher sou eu? Sou seu receptáculo.”

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