quinta-feira, 2 de setembro de 2010

João Simões Continua

Lessa, Orígenes. João Simões Continua. Edições de Ouro; 1979; São Paulo / SP; 188 páginas.

Dados da obra:

O personagem-título do livro é um fantasma que escreve a respeito de si mesmo numa espécie de memória redigida de outro mundo. O romance faz o retrato de uma sociedade burguesa com suas hipocrisias, vícios e padrões, com uma visão crítica do comportamento humano.

Breve relato do autor:

Orígenes Lessa nasceu em Lençóis Paulista, no estado de São Paulo. Foi jornalista, contista, novelista, romancista e ensaísta brasileiro, e imortal da Academia Brasileira de Letras.

Passagens:

"Eu queria viver! Ou melhor: não queria morrer. Se eu fosse acabar, talvez o preferisse. Desaparecer. Não ser mais. Essa ideia me seduzira sempre. Não era a vida que me atraía. Era a morte que me assustava. Eu me sentia, aliás, me sentira toda a vida, pouco à vontade com as surpresas que a morte me poderia trazer. Por menos que neles acreditasse, por mais ridículos que fossem, os demônios ingênuos de pera e tridente, dos meus tempos de catecismo, me haviam dançado trágicas sarabandas em inúmeras ocasiões de minha vida."

"... Achei cretino aquele pedido. Então o Zequinha não havia de contar à mulher que eu morrera? Como tudo aquilo me soava idiota, artificial, desinteressado. Nunca pensei que morrer fosse uma coisa assim tão falsa."

"Eu devia estar morto, realmente. Era essa a prova mais palpável de que estava num mundo diferente. O café, que fora a minha paixão toda a vida, me desinteressava agora por completo. Ou melhor, parece que o morto era o café. De fato, quem morre não é a gente. São os outros. É o resto. A gente continua. Mas se a gente morre para os outros em compensação morrem eles também para nós. O café morrera para mim."

"E como ninguém me atendesse, tomado de verdadeiro acesso de loucura, pus-me a distribuir bofetões e pontapés. Uma gargalhada gostosa reboou, então, pela casa. Procurei-lhe o autor. Sentado na radiovitrola, um charuto na boca, um desconhecido gozava o espetáculo. Um clarão de relâmpago iluminou-me o cérebro. Eu só então compreendi. Eu morrera há muito tempo."

"Uma tristeza infinita me tomou. A eternidade era aquilo. Viver era aquilo. Morrer era aquilo. Uma grande, uma incomensurável desolação. Olhei os espaços. Aquela coisa não acabava mais. Era o sem-fim. Casas, jóias, mulheres, iates, riquezas, cajuadas, estava tudo o nosso dispor... e não exisita. E se eu subisse aos páramos alados, onde habitava a 'turma da perfeição', de que falava Amaral Fischer? Não seria tudo, afinal, a mesma coisa, o mesmo nada, a mesma falsidade, o mesmo não-ser, a mesma ilusão?"

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