quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Pássaros feridos

McCullough, Colleen. Pássaros Feridos. Ed. Círculo do Livro S.A.; São Paulo / SP; 1977; 611 páginas.

Dados da obra:

Uma história de amor, de heroísmo e de baixezas. Uma epopeia familiar inspirada na poética lenda australiana de um pássaro que se crava num espinho, para nele morrer cantando. As figuras centrais são a corajosa Meggie, única mulher dos oito filhos de um casal irlandês radicado na Austrália, e o homem que ela amou por toda a vida, o padre Ralph de Bricassart.

Breve relato da autora:

Colleen McCullough é uma romancista australiana, aclamada internacionalmente pelos sucessos "Pássaros Feridos", "Tim", entre outros.

Passagens:

"Aterrorizada, Meggie observou as mãos firmes de Bob, viu a chibata descer assobiando, quase mais depressa do que a vista podia acompanhá-la, e estalar no centro das palmas dele, onde a pele era mole e tenra. Um vergão purpurino apareceu incontinenti; a lambada seguinte pegou na junção dos dedos com a palma, mais sensível ainda, e a última, na ponta dos dedos, onde o cérebro acumula mais sensações do que em qualquer outro lugar, exceto os lábios."

"Ele voltou-se a fim de olhar primeiro para a mãe, os olhos negros penetrando os olhos cor de cinza, numa escura e amarga comunhão que nunca foi expressa e nunca o seria. Desdenhoso e causticante, o olhar azul e feroz de Paddy quebrantou-o, como se fosse o que ele já esperava, e as pálpebras abaixadas de Frank reconheceram-lhe o direito de estar zangado. A partir desse dia, Paddy nunca mais dirigiu ao filho palavras que não fossem as da mais estrita civilidade. Entretanto não foi ele, foram as crianças que Frank achou mais difíceis de encarar, envergonhado e desconcertado, pássaro brilhante trazido de volta para casa sem ter explorado e conhecido o céu, as asas cortadas rente e o canto afogado no silêncio."

"O Padre Ralph não sabia exatamente por que gostava tanto de Meggie e, aliás, não perdia muito tempo pensando nisso. O sentimento começara pela piedade, naquele dia no pátio empoeirado da estação da estrada de ferro, quando a notara atrás dos outros, separada do resto da família em virude do sexo, conjeturara ele com sagacidade."

"... É possível que, se tivesse olhado mais profundamente para dentro de si mesmo, ele tivesse visto que o que sentia por ela era o curioso resultado do tempo, do lugar e da pessoa. Ninguém a julgava importante, o que significava que havia um espaço em sua vida em que ele poderia encaixar-se e ter a certeza do seu amor; ela era uma criança e, portanto, não representava perigo para o seu estilo de vida nem para a sua reputação sacerdotal; ela era bela, e ele apreciava a beleza; e, o que ele menos admitia, Meggie enchia um espaço vazio em sua vida que o seu Deus não poderia preencher, pois possuía calor e solidez humana."

"... Mas ainda sem notícias de Frank, cuja lembrança foi se esvaindo aos poucos, como fazem as lembranças, até as que vivem envoltas em muito amor; como se existisse um processo curativo inconsciente em nossa mente, que nos faz arribar, apesar da nossa desesperada determinação de nunca esquecer."

"Aquilo aconteceu tão discretamente que ninguém notou. Pois Fee se mantinha recolhida em quietude e numa falta absoluta de expressividade; a substituição foi um coisa interior; que ninguém teve tempo de ver, exceto o novo objeto do seu amor, que não fez nenhum sinal externo. Uma coisa oculta, não expressa, entre eles, para amortecer-lhes a solidão.
Talvez fosse inevitável, pois de todos os seus filhos era Stuart o único que se parecia com ela."

"Às vezes, quando ele não se sabia observado, Meggie espreitava-o e tentava desesperadamente imprimir-lhe o rosto no cérebro, lembrando-se de que, apesar do amor que dedicara a Frank, a imagem dele, o jeito dele, se toldara com o passar dos anos. Havia os olhos, o nariz, a boca, as assombrosas asas brancas no cabelo preto, o corpo longo e rijo que conservara a esbeltez e a tensão da mocidade, embora estivesse um pouco mais duro, menos elástico. E ele se voltava e a surpreendia a observá-lo com uma expressão de pesar acossado, um olhar condenado. Ela compreendeu a implícita mensagem, ou supôs havê-la compreendido; ele precisava ir, voltar à Igreja e às suas obrigações. Nunca mais com o mesmo espírito, talvez, porém mais capaz de servir. Pois só os que tropeçam e caem conhecem as vicissitudes do caminho."

"Dane ajoelhou-se, premiu os lábios no anel; por cima da cabeça inclinada, de um amarelo ouro, o olhar do Cardeal Vittorio procurou o rosto de Ralph, examinou-o com mais atenção do que o fazia habitualmente. Mas relaxou-se de maneira imperceptível, era evidente que ela nunca lhe contara. E está visto que ele jamais suspeitaria da primera coisa que acudia à mente de quem quer que os visse juntos. Não uma relação entre pai e filho, naturalmente, mas um estreito parentesco consanguíneo. Pobre Ralph! Ele nunca se vira andando, nunca observara as expressões do próprio rosto, nunca surpreendera o alçamento da sua sombrancelha esquerda. Deus era realmente bom tornando os homens tão cegos."

"– Como vamos viver sem ele?
Como realmente? Era isso viver? Eras de Deus, a Deus voltaste. O pó ao pó. A vida é para nós que falhamos. Deus cupido, juntando os bons, deixando o mundo aos outros, a nós, para apodrecer."

" ...– Dane era um homem adulto, não era uma criancinha indefesa. Eu o deixei partir, não deixei? Se me permitisse sentir o que você está sentindo, estaria aqui sentada a censurar-me e achando que devia estar num asilo para doentes mentais porque o deixei viver a própria vida. Mas não estou aqui sentada a censurar-me. Nenhum de nós é Deus, embora eu creia que tive mais oportunidade para aprendê-lo do que você."

"O pássaro com o espinho cravado no peito segue uma lei imutável; impelido por ela, não sabe o que é empalar-se, e morre cantando. No instante em que o espinho penetra não há consciência nele do morrer futuro; limita-se a cantar e canta até que não lhe sobra vida para emitir uma única nota. Mas nós, quando enfiamos os espinhos no peito, nós sabemos. Compreendemos. E assim mesmo o fazemos. Assim mesmo o fazemos."

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